sexta-feira, outubro 31, 2003

Blogosfera

Se fechares os olhos e apagares todos os aparelhos de comunicação, se permaneceres nos parques onde as crianças crescem, esta será sempre uma boa manhã para a humanidade (.../..).” A citação é deste blog que alguém me entusiasmou a conhecer e que, à primeira vista, hei-de lá voltar, é um lugar tremendo de expressão própria e que me provocou a mesma sensação de emaravilhamento que tive quando descobri este. Fica aqui o caminho. Ainda dentro da blogosfera mas no seu exterior, no Encontro Informal de Blogues que ontem decorreu na Sociedade Nacional de Geografia e ao qual dei um salto, de mais ao menos uma hora, estava em trânsito para um aula mas o interesse, e a curiosidade, era mais que muito. Gosto de ver hologramas, o meu próprio, em carne e osso. Em jeito de prolongamento, alinho aqui uma das questões que lá ouvi e que me acompanharam ainda quando de lá saí. A anotação, por Paulo Querido, do assobiar para o lado que a comunicação social tem dado a este fenómeno, faltando nesta um tipo de trabalho que capte a importância que ele terá. 1. Numa sociedade altamente mediatizada em que o instante de luz é que confere senão existência, pelo menos a participação numa mundividência comum, é naturalmente recorrente, quer como critíca, denúncia, contestação, queixume ou mera constatação, a ideia de que a comunicação social quase nunca fala do que deve falar. E assim será, sem dúvida. Sendo também que raras vezes, no nosso entendimento, aquilo de que ela se deve ocupar não é outra coisa senão aquilo de que nós próprios nos ocupamos. O tema merece uma reflexão mais aprofundada, somos o que comunicamos e comunicamos aquilo que somos, não somos apenas aquilo que comunicamos e não comunicaremos apenas aquilo que somos, mas assim, em meia palavra, talvez o mais sensato seja mesmo não negar nem a evidência da regra, nem a possibilidade da sua excepção. E encontrar outras possíveis respostas na descoberta da surpreendente ironia deste argumento: é que o fenómeno da blogosfera, da blogolândia, da blogomania, tem como uma das suas consequências mais imediatas a pulverização de uma espécie de absolutismo triunfante da agenda mediática, através da emergência de um relativismo não menos - tendencialmente claro - absoluto, de uma mediatização centrada no sujeito. Eu exposto na minha fragilidade de folha onde se refractam múltiplas outras realidades, algumas das quais impostas pela agenda mediática. Mas mesmo assim surgindo como instantes refractados. Falarei sempre e ainda mais uma vez da guerra, do iraque, da palestina, de israel, da politica americana, das escutas e da casa pia, mas também deixarei escapar a minha vontade de lhes negar essa relevância e darei assim a ver, mais uma vez, através desta tensão, o sujeito atrás, ou diante, ou à frente, do mundo que o oculta. 2. Ainda sobre a ironia deste argumento: não será muito certo dizer que a comunicação social não se ocupa deste fenómeno. Não é preciso citar nomes nem ocorrências. Excepto talvez António Guerreiro (AG), já que o seu texto “A Reportagem Universal” (disponível no Metablogue) tem algumas pontas que merecem a pena ser seguidas. A própria blogosfera tem blogues que funcionam como autênticos meios de comunicação social. Aliás esse paralelismo entre o novo mundo da comunicação social que o mundo da blogosfera prenuncia, era uma das observações mais interessantes do texto de AG a que fiz referência. É verdade que a abordagem que os media fazem desta fenómeno anda muito por estratégias de fulanização ou personalização, de criação de factos mediáticos e de protagonistas, pelo embevecimento encantado, pela deturpação, e que assim sendo, é legítimo dizer que a comunicação social não se tem ocupado verdadeiramente deste fenómeno. Tal no entanto não se deverá tanto a um problema que esta, entendida nos seus grandes meios, tem com este fenómeno, mais com a sua crescente incapacidade de se tornar num forúm de revelação e compreensão da sociedade contemporânea. E tal não se deverá à extensão, quantidade e redundância dos discursos mediáticos. Ainda hoje João Paulo Baltazar abria o noticiário das dez na TSF com um estudo sobre a nossa submersão em informação, em que se referia o hexabyte (escrevo como ouvi), unidade de medida destinada a tentar dar-nos a dimensão descomunal da quantidade de informação que nos circunda. Dentro desta não estava identificada aquela que é produzida pelos grandes meios de comunicação social, mas há uma coisa que todos nós sabemos: não é pela redundância, às vezes perto do insuportável, com que eles nos contam repetidas vezes as mesmas histórias que ficamos melhor informados. Ou seja, não tenhamos ilusões, cada vez que eles, por si só, sem algum apoio, se dedicarem a dar-nos conta do que passa na blogosfera, estarão cada vez mais, a não se ocupar verdadeiramente deste fenómeno. Porque é esse o limite dos discursos dos grandes meios de comunicação social. É claro que têm estratégias muito sedutoras para nos fazerem esquecer essa perna curta com que desbravam caminhos. Não se ocupando verdadeiramente dos fenómenos, ocupam-os e ocupam-nos com hexabites de informação. Que acabam por se constituir como estratégia poderosa de substituição daquilo que fomos habituados a pensar que era irredutível à condição humana: a necessidade de compreender o mundo em que vivemos. E por isso, por esse poder sedutor dos discursos que surgem nos grandes media, que poucas vezes somos levados a descobrir que o seu poder não advém de serem discursos fortes e robustos, sim o de não precisarem de serem fortes e robustos para adquirirem o seu extraordinário poder. A morte do pensamento não sendo notícia, é a única relevância do noticiário de todos os dias. 2. Atrás escrevi que o “ fenómeno da blogosfera, da blogolândia, da blogomania, tem como uma das suas consequências mais imediatas a pulverização de uma espécie de absolutismo triunfante da agenda mediática” através da emergência de um relativismo não menos - tendencialmente claro- absoluto, de uma mediatização centrada no sujeito. Porque me parece a mim que é impossível dissociar uma reflexão sobre a blogosfera de uma outra sobre os grandes media. O que é que se passou para chegarmos aqui? Como é que nos encontramos hoje aqui, neste lugar? Ou seria mais, senão correcto, pelo menos prudente, dizer, não lugar? Começo pelas ressonâncias. A ideia de uma mediatização centrada no sujeito, remete-nos desde logo, nem que seja pelo ressoar, para conceitos e práticas que fizeram escola no século passado, como, entre outros, a terapia centrada no paciente, a pedagogia centrada na pessoa. Ecoam também as palavras de Gilles Lipovetsky, quando em “A Era do Vazio” anunciava que um dia o mundo estaria cercado de paredes de “narcisos”, numa apoteose expressiva em que cada um seria a expressão e o riso de si mesmo. Ou de quando estendia esse anúncio a uma desafeição de que se revestiria o mundo. De que é feito afinal este rumorejar? Quem somos nós e o que fazemos aqui? Cumprimos as profecias e desfragmentamo-nos, desalojando a humanidade que em nós sempre tivemos por habitante? Será ainda muito cedo para responder, no entanto há algumas tentativas de resposta que nos colocam diante daquilo que poderá ser importante. Lembro-me que uma vez o Luís, da Natureza do Mal, ter escrito que este mundo dos blogues era um mundo onde a descida de cada um ao seu próprio abismo - ideia de abismar-se que também encontrei há muito num texto do Abrupto - era, ou poderia ser, modo de reescrever a cidadania. Encontramos um possível contra-argumento desta ideia em AG “:não é preciso ter lido Habermas para perceber que a expressão individual e o direito à opinião que alimentam a maior parte dos blogs têm um grande valor decorativo mas não têm nada que ver com uma esfera pública crítica (que, de resto, tem cada vez menos condições, em Portugal, para se constituir)”. Aquilo que poderá ser importante: a forma como o mundo dos blogues trabalha o mundo do sujeito. Trabalha no mundo do sujeito. O mundo do sujeito, sendo o mundo do indíviduo, não o é do individualismo, ou se quisermos, daquele individualismo selvagem contra o qual, nunca demasiadas vezes, vociferamos. Aprendi-o enquanto actor. Ali no palco não podia estar desligado da minha circunstância exibicionista , mas ela, a sua exponenciação ao infinito, levar-me-ía sempre para diante de um espelho, o espelho dos meus doze, treze anos, onde eu treinava os esgares e os olhares profundos dos Brandos deste mundo, nunca me traria ali, ao encontro de outras pessoas, trabalho do presente ao presente, como lhe chamou um dia J.P.Ryngaert. Ali, diante dos outros, exprimo-me, tenho acesso a esse privilégio da expressão porque alguém me escuta, porque alguém sentado na cadeira me escuta, e só posso exprimir-me porque alguém, por razões que desconheço, não se pode exprimir, e então, este meu gesto que nasceu da descoberta do narciso que há em mim é também a explanação do político que em mim respira e habita: ouvir-me-ás mais uma vez e sempre mas eu falarei para que a tua voz se ouça através de mim. Ouvir-me-ás mais uma vez e sempre até que o teu instante inaudível desapareça e o teu grão de voz substitua este eco de ti em mim. O mundo do sujeito é o mundo da expressão de si mesmo e este, por dentro das paredes da mansão narcísica, é a morte do narciso. Não será preciso contradizer AG, ele já o faz com infinita paciência e desvelo, há apenas que observar o cortejo fúnebre do narciso que todos os dias, como uma santa romaria, atravessa o mundo dos blogues. A mediatização centrada no sujeito não é feita do exterior, como acontecia naquelas ideias do século passado com as quais esta ideia produz ressonâncias automáticas. É feita pelo próprio. Que lê e escreve o mundo, reinventando o fluxo com que escapa á sua maldição de espectador encaixotado no seu suícidio de mundo. Que escreve o mundo ligando-se a outros universos. Fio de rede ligando continentes anões, decerto, mas este mediatiza-te a ti mesmo também é indissociável daquela ideia de Sartre : “Escrever e pensar é comprometermo-nos, comprometermo-nos é trabalhar para os outros”. É por isso também que nada se deve esperar ainda do trabalho que o mundo dos grandes media (e antes dos blogues poderíamos falar em meios de comunicação de massas mas que propriedade tem essa ideia, hoje, quando as mensagens destes meios se pulverizam por milhões de sujeitos) realize sobre o mundo da blogosfera. A blogosfera é uma tentativa, como tantas outras que já encetámos antes, de nos aproximarmos do sujeito que em nós reside. De descobrirmos o pensamento relacional, o aqui e agora de uma outra forma, é certo, o meu corpo está aqui na solidão desta mesa e não vai até aí, ao lugar distante neste universo mundial dos blogues onde tu me escutas, mas eu sei que aí, onde me recebes, és voz, és corpo e sangue e também danças se for preciso. Encontraremos - pelo menos é nessa utopia que nos encontramos aqui - um meio termo, um ponto de equilíbrio para esta relação ausente do corpo, e não do sujeito. Claro que corremos o risco de nos desfragmentarmos nesta ausência mas olha para o teu lado, não corremos sempre esse risco? Uma última ideia, a da desafeição que revesteria o mundo, ou que reveste o mundo de que nos fala Lipovetski. Não teria sido necessário o CAM ter inventado o Campo de Afectos para percebermos que este é o universo da afeição. O sujeito que a si e aos outros se revela, até pela fragilidade em que coloca quando se expõe na sua gangrena de bicho, inventa-se numa delicadeza de ser e estar que, percebe pouco a pouco, é a única condição indispensável nesta apoteose universal do sujeito. Do universo apoteótico do sujeito. [as fotografias de teatro são de Susana Paiva, as outras foram retiradas a partir do Ter Voz]

A Pedra - Personagem Brinquedo II

É por aqui que começamos. Por uma pedra. Uma pedra molhada. Esta não dá ganza, mas realiza alguns voos de rapina sobre o nosso imaginário. Esta pedra como é que é? Que som tem? E o seu movimento? Esta por exemplo tem quatro pontos de equilibrio. Não é frequente. Mas tem um vincado ponto de desiquilibrio. Um desmoronamento interior. Algures. Não sei onde. Ainda é muito cedo para saber alguma coisa. Ainda é a pedra, através dos meus olhos nela, que tem a palavra. Tem uma cor meio granítica. Com laivos negros acentuados. Quando lhe tocamos percebemos que desde o tronco à base tem uma superfície que parece ter sido aplainada. Alisada. E é...algo de extraordinário se passa...aquele ponto de desiquilibrio desapareceu. Volto a repetir o movimento e tomba. Uma vez. Duas vezes. Três vezes. Sempre que a coloco procurando que ela se equilibre naquele ponto instável que descobri à pouco ela tomba. Mas se me esqueço dela enquanto escrevo e de repente já não sei bem qual o ponto de desiquilibrio, ela surpreende-me e aguenta-se em pé. Já negoceio com pedras destas e nunca vi nada assim. E esta pedra, parece-se com quê? A sua cor dá ideia de algo que foi queimado, a própria superficie polida parece cinza. Parece também senhora de uma grande solidez, de uma solidez árida, granitica, e, curiosamente, a sua área polida é o terreno de uma supreendente instabilidade. Olhamos para ela e ela parece a solidez em pessoa. Mas, por vezes, de uma forma imprevísivel, tomba. Se fosse uma pessoa, quem seria?

Taxi Driver

Em breve. Cada coisa a seu tempo e cada tempo com sua coisa. Mas não está esquecida a série e o programa segue dentro de momentos.

quinta-feira, outubro 30, 2003

Não há nada mais simples...

do que nos colocarmos no lugar do outro. e mesmo assim, como dizia josé caldas no seu Acender a Noite, quanta fadiga para ser assim, simples. terça feira o processo de criação da personagem teve uma saída ao exterior. cada um destes futuros enfermeiros foi durante quarenta e cinco minutos ao hospital. fazer o quê? observar. fazêmo-lo todos os dias. neste caso com algumas condições. não podiam usar aqueles estratagemas habituais que utilizam como salvo-condutos (batas, conhecimentos, etc) para passarem por lá sem se aperceberem do lugar que aquilo é . e ao fim de quarenta e cinco minutos para muitos deles é a primeira vez que se confrontaram com a ideia de que o modo como vêem o mundo, e muito específicamente o mundo da saúde/doença, nada tem de absoluto. uma delas resume tudo numa frase: " reparei que todas as pessoas entravam de modo pesado, incerto no olhar, receoso no andar. e que ao sair os seus pés parecia que lhes fugiam dos passos, ágeis no sair dali, mais leves, aliviados." E outra: " é como se naquele espaço houvesse algo que nos leve a sentirmo-nos fragilizados, inferiorizados, aceitando a suspensão daquelas condições que cá fora consideramos inalienáveis à vida". porquê? não sabemos, claro. mas acabámos de abrir um campo novo na nossa experiência comum. é incrível, percebemos, como é que vivemos amaldiçoados por esta condição em que parece só podermos compreendermos o outro quando o fortuito da vida nos coloca no seu lugar.

Afinal,

a vossa dica sobre a formatação da posição das imagens funcionou logo à primeira. 'brigados. Não há mal que não venha por bem.

terça-feira, outubro 28, 2003

Blogosfera

não acho que tenha sido por pudor que nunca falei aqui do metablogue. nem por desleixo. foi porque sim. mas agora faço-o, para dar conta da sua nova direcção, no dominio da blogosfera portuguesa (eu sei, pode ser uma ilusão, mas se vos contasse quantas ilusões tomo por verdadeiras...). e aproveito também para corrigir a morada do socioBlogue a quem se deve por inteiro esta mudança gráfica do metablogue. projecto que para além do joão nogueira conta também com a colaboração de ferran moreno, un que passava, e passa, pelo mundo das bitacoras. é certo, e temo-lo discutido, eu e o joão, esta actividade recolectora de fragmentos de uma blogosfera que se debruça sobre si mesma, que é a essência do metablogue, tem de dar um salto para uma organização dos vários fragmentos que não seja meramente cronológica, trabalho que já começou a ser feito e para o qual os recursos disponibilizados pelo weblog ajudam bastante. também, que muitos discursos ficam e ficaram de fora. tudo isso somado, o que me fica quando visito a página é um misto de orgulho e contentamento por um projecto que para além do material arquivado, a arquivar, significa também um estado de espirito de não saber estar nas coisas sem nelas procurarmos sentidos, sentido. [ para acabar com o blogueio de hoje: nos últimos dias tenho andado bastante por uma blogosfera mais aguerrida politicamente. Alguns desses blogues, como o País Relativo já constam aqui da minha lista de favoritos, outros aguardam apenas um momento de pausa, como é o caso do Terras do Nunca , que já é para mim um circuito diário, sou como os demais, gosto quando o sangue na guelra se mistura com a seriedade e o fulgor do pensamento e do Barnabé]

Quadro familiar

ando muito familiar, eu sei. este quadro é do meu irmão. mandaram-mo uma vez pela net. uma amiga dele. e se isto do blog é uma casa com paredes que se multiplicam, numa delas, estará o joão. o mano mais velho. somos em tudo diferentes. desde que nascemos. ele era dos betos eu era dos putos reguilas macacos sem pila.ele tinha centos de amigos, eu tinha a solidão por companhia. crescemos sempre diferentes. hoje ele é dos friks, eu sou assim-assim. a única coisa que mudou é que já não vou ao guarda roupa dele para sacar uma camisola ou umas calças de marca. não nos telefonamos todas as semanas e às vezes até se passa um mês. dois. mas há uns anos teve uma doença grave. daquelas que não se sabe bem para que lado é que se dança, para que lado é que cai. e aí eu compreendi o quanto me era insuportável a ideia de perdê-lo. que o amava. que o amo.

sábado, outubro 25, 2003

a primeira imagem do resto da minha vida...

Demorei tanto tempo a colocar aqui uma imagem que tive todo o tempo do mundo para especular qual seria. Tinha pensado que, sem sombra de dúvidas, a primeira seria a capa do segundo livro do meu pai. É um livro sobre a vida e a obra do padre Abel Varzim, um desafio, e uma encomenda que lhe lançou um dia D. Serafim. Foi o seu último livro, tendo deixado dois projectos incompletos. Um outro desafio de D. Serafim e aquele que deveria ser o seu primeiro livro, pelo menos assim o esperavam os seus amigos mais intimos. Linha Quebrada, um livro que tinha começado a escrever antes mesmo dos seus filhos nascerem, e onde traçava o percurso de um jovem de uma família pobre que foi para o seminário para poder estudar e que sem dar por isso já era sacerdote. Era a sua própria história. No outro dia, ao ler um post do luís dedicado ao seu pai acorreu-me a água aos olhos. Mesmo sendo um antigo padre, díscipulo e admirador de Mons. Lefébre, o meu pai não só sempre me protejeu da intolerância religiosa, como também me incentivou a pensar pela minha própria cabeça. Na estante lá de casa Sarte, Camus, Virgilio Ferreira, Alberto Ferreira, Bertrand Russel, abriam caminhos. E aos dezoito anos ofereceu-me um livro, "Com a morte na Alma", com uma dedicatória breve, eram sempre breves as suas palavras, "para o quim ler e reflectir comigo", creio que já falei nisto. Talvez por isso esta imagem que também é um livro, um livro aberto. E ao qual, folha a folha, me dedico desde então. A ler, a decifrar. Na minha peça "Naufrágio do Galeão" (disponivel na minha página em ET) há um personagem, um Físico, que atravessa os tempos procurando a sua amada e a encontra no ciberespaço. Fecho os olhos anuindo com esta utopia, talvez também tu, meu bom pai, andes por aí ao sabor das ciber vagas e um dia passes por aqui. É para ti, em primeiro lugar, que a lanço.

sexta-feira, outubro 24, 2003

O tempo que isto é - O Personagem-Brinquedo I

Antes de começar o trabalho, a preparação. O porquê, o quando, o onde, o quê, pequeno lead que me ajuda a instalar este trajecto em mim, desinstalando a rotina . Começo sempre por aqui, todos os anos, já vão onze. Quatrocentas e tal personagens criadas pelos participantes nesta aventura (para quê chamar-lhe aulas?!). Quatrocentas e tal horas de navegação, nem sempre tranquila. Quatrocentas e tal horas?! Achas muito? Não chegam a vinte dias, desde a primeira à última, a 24ª hora. Em onze anos, vinte dias inteiros será assim tanto?. É, penso eu. Nunca multipliquei o tempo assim. Para mim uma hora com vinte pessoas não é exactamente uma hora. São vinte e uma horas. E isso é o tempo real. O meu tempo real, claro. Porque nestes raros momentos em que nos encontramos nesta solidão partilhada, começa, em diferentes ritmos e cadências, a chegar todo o tempo que vivemos na nossa vida. E se a coisa for feita com aquela sinceridade com que se persegue, esses anos estão lá todos, tensos e intensos, em cada momento. Começamos então a perceber o milagre da multiplicação. Numa hora estarão então, pelo menos ( a média de idades ronda os vinte e dois) quinhentos e tal anos vividos. Falo dos anos vividos, sim. Daqueles que são revestidos a pele e osso. Agora, quando a estas já de si multiplicadas horas, acorrem os tempos de cada uma das personagens ( e muitas delas terão entre os cinquenta e os setenta anos, não só o meu personagem, o Prof. Pardal, é um velhote, como a geriatria é uma das experiências de estágio anteriores e eu sinto que eles aproveitam este momento, de um outro modo, reflectirem sobre essa experiência) entramos no domínio do incontável. Num mesmo espaço que não terá mais de 10m x10m concentram-se mais de mil anos, e isso será sempre uma forma, mesmo que precária, de eternidade. [ aliás esta manifestação de um tempo dentro de nós sempre me intrigou para além dos limites do meu próprio conhecimento. um dia destes pergunto à filipa o que é que ela descobriu sobre isso quando andou à procura daquele que. afinal, era o seu corpo. ou então ganho coragem e mando um email à sofia a perguntar-lhe se quando se esquartinha o corpo em algum momento se se lhe toca no tempo, não na duração da pele, do osso, vísceras inclusas, para esses o carbono 14 talvez desfaça todas as dúvidas, mas haverá alguma técnica para dominar estoutro tempo, ou ele simplesmente, tudo o que sonhámos, amámos, pensámos, deixa de existir, assim, só isso, como dizia um poeta, nós pif-paf-puf...?]

quinta-feira, outubro 23, 2003

L

[aqui seria um post associando-me a esse movimento de blogues de solidariedade com aqueles que sofrem de leucemia, post que vergonhosamente não escrevi por esquecimento, desleixo. só reparei nisso na quinta-feira, eram 11 horas, o mais que pude foi abrir este espaço, modificar a hora da configuração deste blogue, estou agora algures no Pacífico, a 12 horas de distância da hora portuguesa. ainda pensei em escrevê-lo, dando sequência à batota inicial, depois, por respeito à solidariedade que não se compadece com estes truques, e principalmente pela amizade ao Miguel e ao meu "irmão" Raul, fica aqui assinalada esta envergonhada quebra do nó]

Exílio, cá dentro...

Desde 92, com um pequeno interregno, uma ou duas vezes por ano, calha-me um exílio para uma terra de ninguém, esse lugar (o jogo dramático) que, como o defeniu Jean Pierre Ryngaert (na entrevista que lhe fiz em 86, publicada no DN Jovem) é um espaço entre o real e o imaginário, que nem é do mundo nem é fora dele, onde podemos com relativa liberdade experimentar, reflectir e criar, investindo na descoberta pessoal dos jogadores . É a disciplina de Criatividade e Espontaneidade (nome que deve ser entendido antes de tudo como um tributo ao contributo de Moreno para as práticas educativas), na Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian. Disciplina que até 1999 se propunha realizar uma intersecção entre a actividade do enfermeiro e a prática de animação sócio cultural, e que, a partir dessa data, começou a explorar de uma forma mais incisiva o processo de criação da personagem ( enquanto vivência de descoberta do Outro). Assim, duas vezes por ano, cerca de vinte pessoas, incluindo eu próprio, embarcamos numa aventura. Uma aventura onde, como em todas as experiências em pedagogia, há um grande investimento na defenição do ponto de partida e chegada, dos instrumentos de navegação, para que estas vinte e sete horas em que estejamos juntos possam ser um verdadeiro ponto de interrogação, um campo aberto às nossas emoções, às nossas intuições, aos nossos desejos, às nossas formas de trazermos o mundo pela mão. O facto de estar simultaneamente a alimentar este Respirar será não um obstáculo, uma luta contra o tempo, espero, mas um poder sentar-me sobre a experiência. Sinto isso como um privilégio. Aliás, escrever será sempre isso. A tensão entre este privilégio que é poder fazê-lo e a dor, o reconhecimento de todos aqueles universos que nascem, vivem e morrem sem conseguirem o seu instante de luz, e de escuridão, aquele instante de luz e trevas que a expressão de si próprio conquista para cada um. Privilégio múltiplo, quase orgástico. O de de poder escrever(ter a oportunidade, a motivação e o meio) , o de poder escrever sobre algo que merece o confronto com a luz e sombra, o de ter alguns de vós a seguirem este percurso, e eu confesso que não sei para onde, e o de, por exclusão de partes, ter de excusar a minha atenção a este circo romano em que transformámos a nossa vida dos últimos tempos. Entregue ao espantoso principio de realidade que emerge destas vinte e poucas personagens de ficção que irão acabar o seu percurso nos jardins circundantes da escola, ausentarei este espaço daqueles cada vez mais numerosos personagens reais amarrados, aprisionados a uma ficção que é geneticamente diferente daquela que "tira os pecados do mundo" ( já agora, valerá a pena os ficcionistas deste reino proporem um selo de qualidade biológica para a ficção, uma espécie de região demarcada do imaginário?).

segunda-feira, outubro 20, 2003

A agenda do Respirar o Mesmo Ar

Ao reler um post atrás pensei, quem és tu para questionar a agenda do PS quando a do Respirar também foi assaltada por esta ideia totalitária de que, a favor ou contra alguma coisa, só se pode falar das malfadadas escutas? Diz lá, perguntei-me - sou assim, desde miúdo que invento diálogos comigo mesmo, em casa, na rua, nas ruas esconsas de um pensar por onde às vezes me afoito, dantes parecia mais lunático, agora meto o auricular na orelha e 'tou na maior, ninguém me liga nem eu a ninguém - porque é que não falas do que te dá realmente gozo, por exemplo da caça às sombras que hoje fizeste com o miúdo, senti-me mal, claro, sádico, eu era o único que sabia que elas continuariam sempre a fugir à nossa frente, achi na à 'ai, a omba tá a fu'i, 'ai, raios, até aqui o pensamento me fugiu para esta totalitária actualidade, vi um homem de ferro a arder, a omba a fu'i, e não havia quem lhe pudesse valer, quanto mais o homem de ferro corria, mais a omba pelas costas lhe fuia

Terá Ferro Rodrigues condições para liderar o PS? III

Não sei. Não depende de mim. Depende dele. [e há situações-limite em que não é legitimo pedir a uma pessoa que se continue a imolar nesta roda sacrificial. mesmo que esse alguém seja de ferro.]

Terá Ferro Rodrigues condições para liderar o PS? II

Todos os lideres podem ser contestados. E se tiverem condições para liderar é em primeiro lugar porque souberam ser mais "amados" do que contestados. É legítima por isso a interrogação sobre se Ferro Rodrigues é o melhor lider para o PS, como também é legítima a preocupação pela forma como a agenda do PS parece amaldiçoada, sem conseguir descolar da agenda do processo Casa Pia. São questões que permitem várias leituras. Um pouco de conhecimento retrospectivo sobre a actividade política facilmente verificará que lideres como Emidio Guerreiro, Sá Carneiro, Mário Soares, Cavaco e Silva, António Guterres, Mário Soares, Durão Barroso, Paulo Portas e Manuel Monteiro enfrentaram, quando eram poder ou quando eram oposição, abalos sismicos de elevada intensidade que tornaram muito frágeis as suas lideranças. O que é obsceno e ilegitimo é fazer esta pergunta quando ela surge como a resposta a outra pergunta: depois das montagens televisivas sobre as escutas telefónicas Ferro Rodrigues tem ou não condições para liderar o Partido Socialista? Porque assim feita ela não é mais do que o tentar tirar consequências de um acto que foi ele próprio obsceno e ilegítimo. Muito televisivo, muito bem montado, mas não é de estética cinematográfica ou de teoria do espectáculo que falamos. É de politica. Pornografia política.

Terá Ferro Rodrigues condições para liderar o PS? I

Fazer esta pergunta ao terceiro dia de uma das mais notáveis campanhas de assassinato político de que há memória, é, mais do que uma falta de sentido de oportunidade jornalistica, um acto do domínio da pornografia política.

domingo, outubro 19, 2003

Assunto: Daniel Faria

Guarda a manhã Guarda a manhã Tudo o mais se pode tresmalhar Porque tu és o meio da manhã O ponto mais alto da luz Em explosão Daniel Faria de Explicação das Árvores e de Outros Animais 1998 [enviado por Cláudia Magalhães]

sábado, outubro 18, 2003

Tribunal da Opinião Pública IV

são dezassete horas, acabo de ver num restaurante o noticiário da SIC. assim, no ecran ao longe, parecendo película do tempo do cinema mudo, tudo isto me parece tão obsceno, tão falho, nem digo já de relevância, mas de um decote mínimo de noção da responsabilidade, que é impossível comentar. as imagens sobrepôem-se umas às outras numa espécie de banda desenhada caricatural. antónio costa, ferro rodrigues e paulo pedroso são os protagonistas desta vendetta contra ninguém, ódio apenas ao vazio. a ideia é muito cinematográfica, aliás. temos um acontecimento, a ida para prestar declarações de Paulo Pedroso, e depois há o responder daquela pergunta de que é feito muito do bom cinema: enquanto isto acontece que mais se desenrolava? um telefonema acoli, um telefonema ali e, frame a frame a realidade explica-se a si mesma. explica-se o tanas?! um dia haveremos de perceber tudo isto com mais clareza, digo eu. só espero que nessa altura não haja um inenarrável josé antónio saraiva a escrever, como o fez em relação ao Iraque: claro que sabíamos que era tudo mentira, isso nunca foi importante, o que era importante era manter o poder.

Tribunal da Opinião Pública III

gostava de dedicar esta entrada aos excelentíssimos jornalistas de quem sou amigo mas como mantenho a esperança de que eles não se metem nestas coisas, vai assim sem nome singular no destinatário: - será que de todos os jornalistas em serviço no TOC (tribunal da opinião pública) ainda não há uma boa alma que tenha percebido que a investigação sobre a falsa fonte (há regras para a constituição de fontes não apenas para a sua protecção) poderá ajudar a criar a manchete mais relevante para se começar a perceber melhor um pouco deste nevoeiro em torno da Casa Pia?

Tribunal da Opinião Pública II - ALVO OO7

Respirar o Mesmo Ar, que em tempos muito idos, inspirado nas obras de Enid Blyton, formou um grupo de sete detectives que espiava os movimentos secretos de perigosos inimigos que actuavam na zona que ía entre Mafra e o Sobreiro (o padeiro, a mulher a dias, o farmacêutico, o zé dos ovos, o oficial de dia do quartel e mais uns tantos, decerto malfeitores), ainda tem repentes de nostalgia e de quando em quando veste a gabardine, pega no bloco de notas e volta à actividade. foi assim que ele captou a conversa de alguém, que a partir de agora, será designado o alvo 007. dada a exiguidade da tecnologia usada não foi possível identificar o interlocutor: "Alvo 007 - É pá, onde estás? X - Byte f. Não há nomes nem sitios. Somos todos anónimos. Alvo OO7 - Tá bem, pá esqueci-me. Já falei pró TOP (tribunal da opinião pública). X - Os gajos aceitaram o recurso? Alvo 007 - Os gajos do TOP comem tudo, pá. Ainda me quis fazer perguntas, queria saber quem tu eras, onde moravas... X - E tu abriste-te? Alvo 007 - Eu, pá?! Mandei-os f. Disse-lhe, se não quer vou ali ao lado. Cá para mim até me dá mais jeito. Esta merda de Carnaxide fica fora de mão, pá. X - É a concorrência. Isto agora é que tá bom. Nada de nomes. Se nos portarmos bem isto aguenta um porradão de tempo... Alvo 007 - A Mariquinhas até já disse que tem orgulho em mim, pá. Teve a fazer as contas e mais uns seis aninhos assim e mudamos de casa."

Tribunal da Opinião Pública I

Respirar o Mesmo Ar, dócil e temerário perante o segredo de justiça em vigor nos tribunais públicos, está-se borrifando para a hipocrisia do segredo de justiça do tribunal da opinião pública. tendo tido conhecimento do texto do recurso que alguém nele aqui apresentou sente a obrigação ética de o divulgar: " é pá, mando-te aqui estas folhas das transcrições das escutas feitas àqueles gajos. são uma bomba, pá!o pessoal tem de ver isto, pá! é importante pá! é uma bomba! os filhos da mãe da relação fizeram ouvidos moucos a isto, pá! estão cá todos, até o sampaio, pá! o sampaio, pá! os gajos andaram a telefonar a toda a gente, pá. só não falaram ao papa, pá. e o chefe deles é um ordinário, pá. o gajo tá-se cagando para isto. um gajo aqui a pôr o canastro em perigo por causa desta merda do segredo de justiça e o gajo está-se a ...fôsga-se! vê lá se podes fazer alguma coisa, pá. trata bem deste material, isto é uma bomba, pá!"

Tribunal da Opinião Pública

como escrevi num comentário que aqui deixei, as novas revelações sobre as escutas telefónicas relacionadas com o caso da pedofilia, deixam numa sensação de grande incomodidade de argumentação todos aqueles que, como eu, não perfilham teses de conspiração. julgo não estar a dizer nenhuma barbaridade ao afirmar que elas só serão novas para para aquela entidade volátil e por isso muito vulnerável à manipulação e instrumentalização que vimos, frequentemente, designando por “tribunal da opinião pública”; que, fazendo parte do processo de Paulo Pedroso enquanto arguido, foram objecto de ponderação em todas os momentos do mesmo, nomeadamente o da prisão preventiva, o da manutenção ardilosa da prisão preventiva e o da anulação desta medida de coacção pelo Tribunal da Relação. no entanto alguém pensou que, por estarem em segredo de justiça, não seriam - e deveriam ser- do conhecimento do tribunal da opinião pública. feito o recurso para esta instância da justiça que corre paralelamente aos tribunais oficiais, esta procedeu à divulgação, e todos sabemos o onde e como.

Voces de Mujeres

ACCIÓN URGENTE No es fácil escribir en momentos en los que del corazón y la razón no brotan sino lágrimas, pero la obligación moral que tenemos quienes creemos que la vida tiene que seguir, que la vida algún día será un principio regulador de la convivencia social, nos hace rehacer nuestras fuerzas con espíritu de lucha por los derechos humanos y contra el totalitarismo. Denunciamos el asesinato de la compañera ESPERANZA AMARÍS MIRANDA, de 40 años de edad, miembra desde el 2002 del equipo base de la Casa de la Mujer del nor oriente de la Organización Femenina Popular, situada en el barrio Primero de Mayo, barranqueña dedicada a la venta de juegos de azar -chance-, madre de un hijo de 15 años y una hija de 21 años, habitante del barrio Versalles. En memoria de nuestra compañera ESPERANZA AMARÍS MIRANDA, a los asesinos de su ser, de su persona, les ofrecemos su obra, su trabajo para sacar adelante a su familia, su sonrisa, su resistencia. Les decimos una vez más que las mujeres no parimos ni forjamos hijos e hijas para la guerra. Y a las autoridades locales, civiles y militares les reafirmamos nuestra denuncia: “hay paramilitares usurpando el poder de ustedes”, se mueven como quieren y donde quieren, llegan a las casas, sacan sus habitantes, se los llevan para asesinarlos. Hoy estamos viviendo en carne propia lo que tanto denunciamos y ustedes siempre han negado en teoría, pero lo confirman los hechos. Hechos Hoy jueves 16 de octubre tres paramilitares armados llegaron a bordo de un vehículo de servicio público hacia las 7:30 p. m., a la puerta de la casa de la compañera ESPERANZA AMARIS MIRANDA, en el barrio Versalles, la intimidaron y se la llevaron a la fuerza en el auto, a pesar de los ruegos de su hija que se lanzo hacía el vehículo, siendo arrastrada durante 200 metros hasta perder el contacto y quedar arrojada sobre el piso, herida en un hombro. cinco minutos después de la desaparición de la compañera ESPERANZA AMARIS MIRANDA fue asesinada por los paramilitares frente al Colegio Camilo Torres Restrepo y su cadáver arrojado en la vía pública. La Organización Femenina Popular también denuncia que tan pronto tuvo conocimiento de la desaparición de ESPERANZA AMARIS llamó a la fuerza pública, pero no fue posible la comunicación pues nadie contestaba a pesar de que en una reunión del Comité Operativo Intersectorial se acordó un mecanismo de comunicación para tener una reacción inmediata frente a violaciones de Derechos Humanos. Las autoridades solo llegaron a levantar el cuerpo. Como antecedente, la señora ESPERANZA AMARIS había denunciado ante la Fiscalía amenazas de estos grupos paramilitares. Reiteramos una vez más nuestras denuncias, como forma de mantener en voz alta lo que los actores armados nos quieren callar. En el 2003 según datos de la Defensoría Regional del Pueblo, han sido asesinadas 94 personas, han desaparecido a otras 56 y se han desplazado por lo menos 600 ciudadanos y ciudadanas, como consecuencia del control social del paramilitarismo que se ejerce en medio de amenazas, castigos y muertes. EXIGIMOS SE INVESTIGUE Y SE SANCIONE a las autoridades civiles, de policía y militares por omisión frente a estos hechos. EXIGIMOS LA RECUPERACIÓN DEL CONTROL SOCIAL Y POLÍTICO en la ciudad. No queremos como respuesta que “no se puede hacer nada porque no hay denuncias o flagrancia” como lo han expresado permanentemente las autoridades, porque cuando se denuncia tampoco pasa nada. EXIGIMOS LA BUSQUEDA de los responsables del crimen de la compañera ESPERANZA AMARIS MIRANDA, de los otros asesinatos que se están cometiendo en estos momentos en Barrancabermeja así como de las desapariciones forzadas. SOLICITAMOS A LA COMUNIDAD INTERNACIONAL presión sobre el gobierno nacional para que garantice la vida y los derechos, y se recupere el control social y político por parte de las autoridades legalmente constituidas en Barrancabermeja y la región. SOLICITAMOS A LAS ORGANIZACIONES SOCIALES, SINDICALES, DE MUJERES Y DE DERECHOS HUMANOS pronunciarse ante las autoridades competentes para que respondan por la vida de los y las civiles en Barrancabermeja y la región del Magdalena Medio. ORGANIZACIÓN FEMENINA POPULAR Barrancabermeja – Magdalena Medio – Colombia 16 de octubre de 2003 [enviado por Ana Paula Silvestre, Colômbia]

sexta-feira, outubro 17, 2003

filosofia em 2ª mão & teatro : notas soltas (I)

Termina assim o contador da história de "Tristão e o Aspecto da Flor", primeira peça do livro de francisco luís parreira, agora lançado pela errata, em que este justifica porque escreve : " - Dantes era para mudar o mundo. - E agora? - Agora é para que o mundo não me mude a mim." este fragmento surgiu na discussão, alguém, citando-o, interrogou o escritor pedindo-lhe para explicar essa passagem da escrita enquanto voz de uma utopia transformadora, para a sua reformulação, a partir de um lugar do indíviduo em que este já só reconhece como possível transformar-se a ele mesmo. vou à procura do fragmento e leio-o de outra forma. o contador da história agora ( um agora no tempo diegético) não escreve para se mudar a ele próprio, sim para não se mudar. o que mudou foi a forma do homem tomar consciência do acto que é, em si, escrever. num primeiro momento quase todos nós nos entregamos à utopia de que podemos mudar o mundo escrevendo. nem teria sentido escrever se as primeiras palavras não tivessem esse fulgor (outros diriam acne) encrostado na face da nossa escrita. somos putos loiros com merda na face, como escreveu alguém um dia, penso que foi a celeste craveiro, não garanto, não importa (pois não, celeste?). e depois vem um momento em que caímos em nós. alguns ainda passam pelo "escrevo para me mudar a mim e mudando-me, mudo o que em mim no mundo se mantém acessível ao meu gesto transformador". mas a maior parte de nós talvez se aperceba de uma outra condição da escrita, tão verdadeira como a revolucionária de que tanto nos regozijámos: a de que a escrita, enquanto processo de fixação tem uma inequívoca dimensão de utensílio de poder (Claude Levy Srauss conta sobre isso um episódio da introdução da escrita numa comunidade primitiva), de conservação do mundo, de estabilização. estagnação. denegação da mudança. e não quer dizer que a escrita seja uma ou outra. provavelmente será a crise que existe entre a palavra que ainda não existe e a palavra já escrita. a tensão entre a afonia e o som que ao vazio acorre. porque a escrita é um gesto, e enquanto gesto é algo em movimento. falava-se aqui no outro dia da invenção de um modo singular de escrever, a lápis, com uma borracha estrategicamente colocado no dedo para ir apagando o percurso das palavras, era uma escrita sem rasto, escrevia ele. e há algo de incrivelmente verdadeiro e justo nesta ideia, porque a escrita não tem rasto, tem o momento em que ocorre, em que acorre.

filosofia em 2ª mão & teatro : notas soltas

acorro ( é exacto, corro a) à eterno retorno, para o lançamento do livro com dois textos teatrais de francisco luís parreira. chego lá já perto das 11h30 e, sorte minha, a sessão anunciada para as dez ainda não começou. o prolongamento da anterior sessão com rita ferro, fernando pinto do amaral e o editor da dom quixote é, aparentemente o primeiro responsável. trata-se de uma conversa sobre o amor e ninguém parece querer abandoná-la. são asssim as tertúlias e será também por isso que a elas voltamos, voltaremos. quanto à sessão de francisco luís parreira, sou obrigado a abandoná-lo, cinderela retardada, já passam das duas da madrugada. a decadência da arte. desde já a apresentação do livro de francisco luís parreira tem um atractivo. o autor a ser alguma coisa, nas suas palavras, será um ensaísta, e é de ideias, em segunda, terceira, quarta e primeiríssima mão de que falaremos todos a seguir. algumas, as de francisco luís parreira, são, senão polémicas, facilmente indutoras da polémica. com crueza fala da decadência da arte nos dias de hoje, uma arte que não é, nem pretende ser, pensamento, justificando assim a reedição, hoje, do discurso platónico em que este apelava à expulsão dos artistas da cidade. para ele esta desgraça de que foi acometida a arte está em grande parte ligada a esse pecado da procura da autenticidade, uma fraude do pensamento, sendo que este é entendido na melhor tradição racionalista. é natural, assumo, que este retrato da conversa que ontem se teve na eterno retorno pende escorreitamente para a caricatura, e que esta favorece aquilo a que agora aporei ao debate. não sei como lhe fugir, apenas posso colocar a sinalética para prevenir os mais incautos que poderiam estar a pensar que eu estaria a falar do que lá ontem se disse e não apenas daquilo fui agarrando para poder prolongar mais um pouco um debate que me atrai; - a decadência da arte de que fala francisco luís parreira, sendo contestável, não me suscita alguma contestação. já aprendemos todos uns com os outros de que não é aquele que aponta o dedo à decadência que é responsável por essa decadência, como muitas vezes parecemos ser levados a pensar. e que pensar a arte a partir da sua decadência é tão produtivo para este obscuro ofício de procurarmos sentido, como pensarmos a arte a partir do seu movimento, isto aceitando de que a estagnação, é ideia que se pode associar à ausência de cadência. por outro lado como não reconhecer, e esse é a mola que empurra a ideia de flp, na proliferação de objectos artísticos ufanamente orgulhosos e exuberantes da sua demissão de serem mundo outra vez, ou de, por outras palavras, serem lugar de pensamento, um sinal, senão na sua morte clínica, pelo menos da decadência da arte nos dias de hoje?

quarta-feira, outubro 15, 2003

Página Impar

tento ao limite esquecer-me de quem sou para desenrolar esta entrada. demorei alguns dias a escrevê-la, para que isso em mim fosse mais verdadeiro e não mero exercício retórico. mantenho o jornal em cima da secretária, tentando descobrir outros promenores que me ilibem desta natural impulsão para o comentário. não que queira manter este respirar imune à política. aprendi-o aos dezanove anos, numa sala de trabalho de um casarão cor-de rosa, a respiração é o primeiro acto politico da humana condição . foi na segunda feira, uma página impar do "Público", dedicada à politica nacional. quatro objectos, poderia, não o faço, chamá-los de arremesso: uma notícia sobre as declarações de ana gomes numa reunião partidária, uma réplica de josé lamego a um destrambelho (no mínimo) da mesma ana gomes, uma critica da juventude popular à actuação do PS, e, num filete à esquerda, excitações de Pacheco versus Marcelo ( reforçando a ideia perversa de que a diferença de estilos entre os dois, fazendo entrar aquele antagonismo que surge da diversidade opinativa, pode hoje substituir a essência plural do comentário político). começo por ilibar o jornalista JPH deste insólito design de interiores que assaltou esta ímpar página do jornal "Público" e, à primeira vista, visão não contrariada por uma re-tresleitura da mesma, parece-me que ela acaba por ter uma finalidade argumentativa face a uma afirmação de Pacheco Pereira de que " o PS tem de provar que existe perseguição política". ficará sem dúvida por esclarecer o quem e porquê, mas, e para glosar uma expressão que anda muito em voga no país de juízes cuja pele subitamente vestimos, a página impar deste jornal fornece suficiente matéria indiciária sobre um onde e um como. A que acresce a cereja em cima do bolo do inesgotável "sôr josé manuel fernandes" como lhe gosta de chamar um vizinho aqui do lado, quando compara um artigo assinado por dois jornalistas numa revista estrangeira à boataria anónima de um blogue assumidamente mentiroso. um dia, poderemos todos perceber melhor estas coisas, é o que me sossega o espirito. e tolero quase tudo. aliás, em tempos idos, por causa desta quase obsessiva vontade de tudo compreender, joão brites chamou-me a boa alma de tse-tsuan. há no entanto algo que é cada vez mais intolerável para mim. o mau jornalismo dos bons jornalistas. não tenho dúvidas nenhumas de que é por aí que o barco afunda. poderia, mimetizando a minha entrada anterior, pulverizar o impacto desta frase, aplicando-a na má política dos bons politicos, etc, etc, etc. pois podia. deixo isso para quem ler estas palavras. eu não quero ir por aí. o jornalismo ainda não é um não lugar deste mundo, pelo menos para mim. mas quando leio "as declarações absolutamente bombásticas" de Ana Gomes, detecto uma frase perfeitamente assassina deste ofício de, dia a dia, repôr, senão a verdade, pelo menos o mundo ao mundo. gostaria que o seu autor reflectisse um pouco nisso. já bombásticas me pareceria excessivo e opinativo. como também aquela insistência no não saber que estava a ser gravada. e a referência a Carlos Borrego. felizmente para a política, para a boa política - que também os políticos inexperientes, o que não quer dizer, maus, sabem fazer - Ana Gomes veio dar o sussuro por dito, repetindo-o num amplificador nacional, tirando-lhe a excitação do bombástico que, de uma forma relativa, se tinha colado às suas declarações. um dia haveremos de perceber melhor tudo isto. entretanto é triste que seja um leitor, que por acaso tinha ido consultar uns livros à biblioteca da Assembleia, a fazer, numa carta ao Director, o relato mais isento dos acontecimentos que se passaram quando Pedroso foi ao Parlamento.

Fw:Fw: argúcia

assino por baixo esta declaração sobre o dificil modo de estar que é a política, que era já um respaldo dest'outra, com uma ressalva: estendo-a também, entre outros, a taxistas, prostitutas, professores, doutores, capatazes da construção civil, artistas, strippers, carteiros, peixeiras, pontos, jornalistas, donas de casa, mulheres e homens a dias ( e também a meses, anos, até ao limite contado de uma vida ao calhas), ardinas, escanções, mineiros, afinadores de pianos, padeiros, polícias-sinaleiros, limpa-chaminés, poetas, azeiteiros, leiteiros, contadores de histórias, cozinheiros, juízes, amoladores de tesouras, bufarinheiros, almocreves, revisores, varredores de rua, empregados de mesa, engraxadores, barbeiros, ladrilhadores e mestres-sala.

domingo, outubro 12, 2003

Re:Re:Re:Re:Re

esta palavra não é esta palavra, apenas a eternidade que demorou a escrever-se. pudesse eu dar-vos esse tempo. só escreves coisas tristes, disseste, enquanto fechavas à chave...o que é que fechavas à chave? não me lembro o que era. só me ocorre o barulho das voltas com que a chave torneava a fechadura. o som. o som no tempo. não escreveria outra coisa se soubesse. mas não sei. tenho que meter tudo num corpo e... E o quê? há pouca coisa mais verdadeira em mim do que as personagens que criei. criaste o quê? como és capaz de dizer isso? elas vieram ter contigo, tive de te abanar, despertar... A Esmeralda...A Esmeralda o quê, esqueceste-te, pá, há quase vinte anos, a resende fazia lisboa-braga em viagens pirata, ela veio, Senora del Rio, lembras-te?, só tinha um lugar livre, ao teu lado, e tu... A Esmeralda dizia, "só gostava que houvesse menos cabrões no mundo. nem pedia mais nenhum desejo. gostava até que não houvesse nenhum cabrão no mundo. Fosse português, espanhol, inglês ou chinês, não importa...já alguma vez cheiraste um cabresto? Devia haver neste mundo uma lei que obrigasse toda a gente à nascença a cheirar um cabrão. Toda a gente, fosse católica, apostólica ou romana, todos tinham de dar com os cornos naquele fedor. E tinha de ser à nascença, um minuto depois já era tarde de mais..."

Sexta-feira...

a última sexta feira foi um dia particularmente feliz para aqueles que há muito pediam uma livraria de teatro em Portugal. A Eterno Retorno, que já em Junho tinha apresentado nas festas de S. Boaventura um vasto programa de divulgação da dramaturgia portuguesa, aliou-se ao Teatro da Trindade, reuniu parcerias estrangeiras ( entre os quais as Editions Lansman, de Emile Lansman, editor belga cuja disponibilidade, simplicidade e empenho na divulgação da dramaturgia o tornaram uma referência no mundo teatral francófono) e sob a direcção de Francisco Parreira (tradutor, autor teatral ligado aos Artistas Unidos) avança com um projecto de que há muito carecíamos. já aqui tinha falado disso aliás, quando referi o meu desapontamento, ao preparar uma delegação de autores que vão estar em Madrid no Salão do Livro Teatral, da Associação de Autores de Teatro, de não haver uma livraria teatral que pudesse centralizar a presença do damaturgia portuguesa contemporânea nesse importante certame. Uma excelente notícia, que muito ficamos a dever ao empenho de Nuno Nabais e Carlos Fragateiro.

sábado, outubro 11, 2003

Podia ser Re: Re: Re: Re: Re

mas ainda não é. é apenas o resultado da visita a um blogue cujo titulo me cativou, pela autenticidade, pela sinceridade. prometi a mim mesmo lá voltar e hoje, quando encontrei uma aberta, lá fui: "Por vezes canso-me de mim próprio, nem sei quanto de verdade existe nas minhas palavras. Parece-me que enceno a vida... Talvez tenha passado a vida a criar personagens que encarno e desfilo, uma a uma, e que depois abandono ao vento e à fome e quando morrem, morre mais um pedaço de mim." [digo eu, sempre a mesma mania de dizer algo quando o importante já foi dito, cala-te, pá, cala-te, o festejarmos entre palavras não nos deve fazer esquecer disso, escrevemos, escreveremos, não por sermos grandes, mas porque somos pequenos e a nossa entrevada mesquinharia e pequenez nos rói até ao osso. na miséria das palavras. corcodilos minhocas. centopeias com calos]

sexta-feira, outubro 10, 2003

A minha avó Joana Rosa...

que era uma mulher doce, bonita e sensível e que nem tinha televisão na sua casa de Elvas, depois da trombose, não perdia um episódio da "Escrava Isaura". Sentada naquele cadeirão de madeira da nossa sala, espreitava o "malandro", o "mau" do esclavagista Leôncio, salpicando avisos para a sua desditosa Isaura. Na altura eu brincava com esta sua intrusão na ficção ( parecia que estava diante do reverso daquele artíficio da comédia teatral, o "aparte" do actor para o público). Dou-me conta que eu também faço um pouco o mesmo, mas no mundo, hoje também telenovelesco, da política. Ouço Paulo Pedroso, com cuja libertação exulto, e enquanto ele fala, começo a mexer os lábios, tartamudeando um discurso imaginário: "Para mim, que me fui formando na convicção de que a política é um servir sem limites, só posso interpretar esta minha libertação, mais do que uma mera reposição da justiça e da legalidade, como um apelo para que, por todos os meios ao meu alcance, inscreva a luta contra o abuso da prisão preventiva numa das prioridades do meu combate político. Não tenham a menor das ilusões: continuarei em cativeiro até que esta ideia, que agora, como uma obsessão, me traz cativo, vencendo, me liberte.". Pedimos tanto a quem ama, pedimos o amor, escreveu o poeta.

quinta-feira, outubro 09, 2003

Assunto:João Miguel Fernandes Jorge

VERÃO DE OITENTA E TRÊS Não sei quanto tempo leva um insecto a morrer. Estava um gafanhoto esmagado debaixo da minha cadeira de verão. Peguei-lhe com o polegar e o indicador. Tinha uma areia enterrada no corpo. Fora esmagado um pouco antes. Ainda agitava as antenas e das mandíbulas escorria-lhe uma saliva escura. Antologia Poética 1971-1994 [por Cláudia Magalhães]

quarta-feira, outubro 08, 2003

Assunto: Paolo Ruffilli

SOPRO É naquele remoto sopro dentro do coração que cada um reconhece o seu destino. O sonho mais proibido: a ideia de um infinito por fim quotidiano deixado em sorte ao corpo do amor. Rendido e prisioneiro para conservar intacto o seu sabor, subtraído ao vazio havido entre as coxas longamente, em vão, como a água que todavia desliza da mão. [ sem o saber, a Cláudia Magalhães veio em meu socorro. há quase um ano que, debicando os lugares da net onde o poema se salpica, tenazmente alimenta de poesia uma mailing list nascida meio por acaso, tertúlia evaporante e reaparecente conforme os ventos dão nas petálas, nas flores, na própria gente. ontem ao receber um email dela respondi-lhe, olha, vai-me levando este respirar pela mão, leva-o pelos caminhos férteis por onde nos tens trazido. este, Paolo Ruffilli, veio de uma secção de poesia holandesa do site da casa fernando pessoa]

sábado, outubro 04, 2003

Também eu me vou...

...daqui embora, o tempo que for preciso para desadiar trabalhos, ofícios e militâncias. Sem partir, no entanto. E até, mais atento ao blogueio, ao metablogueio, espero.

Outros escolheram o Outono,

para aqui chegarem. Soube da sua chegada pela Natureza do Mal, e comentei-a logo ali. Um blogue de um partido, seja ele qual for, principalmente o meu, faz-me, a mim que já sou confuso por natureza, um acréscimo de confusão. É claro que sentir-me confundido não é uma posição de recusa. E não é nada contra os partidos, principalmente contra o meu, ou contra a política. Há de resto aqui blogues que assumem uma determinada constelação política, que são constituidos por conhecidos militantes de partidos, e não me confundem. Pelo contrário. O que me faz confusão, é a conciliação entre a organização e uma comunidade volátil onde predomina a posição individual ou de pequenos grupos. É evidente que a natureza da blogosfera é espaço ideal para discutir problemas concretos e a nossa cidade, será, para os lisboetas, um campo fértil para o debate. Talvez por isso, o peso institucional de um partido, nem que seja o meu, se me afigure carga a mais para uma plataforma de discussão. Também é verdade que não tenho nenhuma posição subserviente face à retórica da minha confusão. Nem é isso que me impede de saudar o Forúm Cidade. Mas que estou confuso estou!

Escolheram o Outono...

para partirem. Foram numa explosão cósmica, num adeus breve , ou com promessas de um regresso a outros lugares. Escolheram o Outono para partirem e assim, disfarçando-se com o cair da folha, tornaram mais natural o passamento que aqui há.

Obituário das Profissões

Glória Fácil acaba de propôr um obituário das profissões, excelente proposta, para quem se interessa pela memória. Olho para o teatro e começo desde já a pensar que... ... já houve um tempo em que os pintores de telões não tinham mãos a medir. os telões eram pintados à mão, exigindo tempo e grandes superfícies tanto para a preparação do pano como para a pintura e secagem. hoje a tecnologia de impressão permite sofisticados efeitos mas haverá sempre quem, ao passar à porta de um teatro, se recorde de uma vivacidade apelativa que só aquele artesanato conseguia criar; ...durante muitos anos pareceu impossível que a representação pudesse ocorrer sem a compreensiva e discreta intervenção do ponto. hoje já não é assim, como destaca um excelente trabalho aparecido na Visão, a que já aqui fiz referência. ...não será ainda a extinção do contra-regra, talvez apenas o desparecimento daqueles quase míticos contra-regras que, sem deixarem discípulos, foram vendo também muitas das suas funcionalidades escaparem-se para outras actividades, desde a direcção de cena até à polivalente e muito usada hoje assistência de cena. [ quem consulte o pequeno tratado de encenação de António Pedro, encontrará decerto muito mais profissões em desuso, muitas delas especificamente ligadas ao universo do teatro de revista, este também, enquanto se espera a criação de uma área protegida no Parque Mayer, em vias de extinção. Ou melhor, em luta contra a sua extinção. O que poderá, felizmente, não ser a mesma coisa. ]

sexta-feira, outubro 03, 2003

Comunicado Oficial

Não sabia que era assim que as coisas se faziam. Apareceu-me um estafeta à porta, não pedi pizza, nem frango assado. Vai abrir por favor. Foi. É por causa do teu blogue...do meu blogue?!... é um comunicado... um comunicado...?! do Governo... Chiiii!Com estes não brinco. Era mesmo. Faço então uma voz de antigo locutor da Emissora Nacional e passo a ler, em pijama, o Comunicado do Conselho de Ministros: O Conselho de Ministros, reunido de emergência, e face aos boatos que correm depois da entrada "Taxi Driver, Sua Excelência, A Crise" de Respirar o Mesmo Ar e da intervenção de sua Excelência a Srª Ministra das Finanças, vem esclarecer o povo português de que: 1. A intervenção de Sua Excelência a Sra Ministra das Finanças é genuína, autêntica e são completamente infundadas as acusações de plágio às declarações do Srº Alfredo Mandavir. Ao proferi-las, Sua Excelência a Sra Ministra das Finanças estava imbuída do espirito e da letra do programa do Governo, que como os portugueses tão bem conhecem foi escrito antes mesmo de haver o referido blogue. 2. Verificando-se no entanto que "Taxi Driver, Sua Excelência, A Crise" plagiou, de forma deliberada e ostensiva, o programa do Governo, iremos formalizar de imediato queixa à SPA, contra o referido blogue e contra Alfredo Mandavir. 3. Ao contrário do que chegou a ser ventilado, Sua Excelência a Srª Ministra das Finanças, estava a ser totalmente sincera. Ela queria, e quer, que lhe arranjem soluções para os problemas que criámos. (Participe Já/ Mensagem SMS - A Minha Solução é... 2013). 4. Por último, e porque uma atordoada nunca vem só, informa-se que o referido senhor Alfredo Mandavir não é nem nunca foi, até agora, ministeriável. Publique-se." Tenho as mãos suadas. Do envelope, para o chão, cai um pequeno cartão, manuscrito: "Grande susto, hem! Precisamos de falar, urgentemente. Traga o Alfredo. A seguir à missa de domingo, na Biarritz. abraço Zé Manel"

quinta-feira, outubro 02, 2003

Brasileira, no Chiado, quando faz vento e parece que chove mais...

Os meus amigos sabem, a maior parte dos telefonemas que lhes faço ocorrem entre a Rua do Carmo e a Rua Garret, até chegar à Brasileira, é lá que, quando posso, vou colocar um fim na tarde. Embalo na Calçada de Santana, desço ao Rossio, dou uma mirada no D. Maria II, rápida, a tempo somente de ver o branco restaurado da fachada, do negro que é a morte simbólica deste teatro não me aproximo sequer, atravesso a praça em diagonal, penso em como é bonita a cidade e lá ganho forças para a subida, íngreme, a Rua do Carmo custa mais, ao dobrar a esquina pressinto o Pessoa na sua imobilidade de ferro, é ele que me puxa durante o resto da ladeira. Anteontem quando cheguei ao pé do poeta a chuva começou a cair. Primeiro os salpicos prenunciadores, depois, no engrossar da voz da água, a bátega impiedosa, vou para dentro, não gosto, evito, incomodam-me aqueles espelhos todos, mas hoje não há como fugir-lhe. Fico quase lá ao fundo, há uma mesa livre junto do corredor, é mesmo essa, se me apetecer fugir não incomodo ninguém, incomoda-me incomodar, sento-me, abro um caderno de apontamentos, tenho que escrever dois textos para a pré-selecção de um curso de documentário na Gulbenkian, só lá vou por tópicos, lá, ao texto, aquele ambiente fechado do interior da Brasileira oprime-me, o observador observado, a meu lado uma moça, escreve tópicos no seu bloco também, ainda estamos proxemicamente distintos, a minha mesa, uma mesa vazia, a sua, há espaço para todos. A chuva traz uma enxurrada de turistas para dentro, à minha frente, aos lados, senta-se um casal de alemães, austríacos, não sei, há ainda uma rapariga que olha para a cadeira livre ao meu lado, estou cercado, a Brasileira parece um refeitório, desiste, respiro de alívio, fecho o bloco, vou engolir a meia de leite e a torrada e pirar-me daqui, a moça ao meu lado levanta-se, sai, o casal à minha frente organiza-se e encosta-se ao lado, ganho pelo menos, como dizem os metereologistas, superfície frontal, talvez dê para despachar agora os tópicos do texto, quando chegar a casa escrevo o resto na bisga. A rapariga volta para trás, a chuva, a chuva, chove mais, o único lugar é mesmo à minha frente, a tal superfície frontal, faço o gesto de anuência, ela senta-se, estamos quase com o nariz em cima um do outro e nem nos conhecemos, o meu bloco de apontamentos é um caderno grande, rouba o espaço quase todo, encolho-o, agora continuar a escrever o texto é uma questão de dignidade, faço um derradeiro esforço, não dá, fecho o bloco: - Não consigo. Não consigo escrever aqui. Noélia, é assim que, mais à frente, descobrirei, se chama, encolhe os ombros, como se dissesse, não escrevas, veio de Faro aqui ver a Experimenta, cinéfila, abre os olhos de simpatia quando lhe digo que ando às turras com um texto para um curso de documentarismo, ela é designer, de interiores, eu também, as pessoas são como casas, as casas são como pessoas, não é uma teoria, é uma frase, uma daquelas frases que se dizem, já foi há muito tempo, não me ocorrem os promenores, volto à Noélia, a essa revelação que me deixou meio lerdo: - Não, não sei o que são os blogues... Olho-a com desconfiança, ainda penso que é um holograma, prescruto alguma câmara escondida, oculta, talvez seja para um daqueles programas de apanhados, tem talvez vinte a trinta anos, sabe o que é a internet, usa-a, trabalha até em sites, não conhece o que é um blogue, a certa altura descubro que ela me olha de um modo estranho, como se inquirisse se de facto o holograma não seria eu. - Sou muito crítica da utilização da internet... - diz-me, desfazendo todas as dúvidas, somos ambos reais, por dentro e por fora, arquitectos de interiores, cada um a seu modo, a conversa segue então como sempre se fizeram as conversas, com palavras atadas num cordelinho de nós entrelaçados, nem tentei falar-lhe do fascínio por este admirável novo mundo dos blogues, lá fora chove, chove mais, será a chuva, como coisa de fora, exterior, parte desse velho mundo a que, felizmente, ainda pertence ao nosso viver, a marcar, como um compasso, a duração deste breve e inesperado encontro.

TAXI DRIVER - Sua Excelência, a Crise

[ Há uns tempos desafiaram-me para escrever um episódio piloto para um programa de humor, um humor próximo dos jogos de absurdo. O formato estava definido, faltava o texto. O personagem também não era este, mas eu, dada a minha devoção pelos táxis, fi-lo taxista. A coisa terá encalhado, entretanto. Hoje, ao olhar o texto, depois de o rever, apeteceu-me salvá-lo da escuridão. Como há uns tempos tinha pensado em criar aqui Taxi Driver, uma galeria de personagens a partir de retratos vivos de taxistas (na cidade, sou um utilizador incondicional deste meio de transporte), abro assim Taxi Driver, com um retrato totalmente ficcionado. Ficção, dizes tu..."] Apresentador Boa noite. Bem vindos a "O Poder está na Rua”. Temos hoje connosco Alfredo Mandavir, um homem que nasceu predestinado para guiar os destinos do país. Taxista de profissão, foi no pára arranca da capital que começou a criar as suas ideias e soluções para conduzir Portugal. A sua filosofia, toda ela marcada pelo desespero das horas de ponta, pretende ser uma valente buzinadela na actividade política portuguesa. Vamos abrir então o sinal verde para Alfredo Mandavir. (Momento de Silêncio. Alfredo fica calado. Tira a boina, pousa-a em cima da mesa. Olha para um lado e para o outro. O apresentador fica embaraçado) Senhor Alfredo Mandavir, queremos ouvir as suas ideias. Alfredo Mandavir As minhas ideias? Quais minhas ideias? Eu não tenho ideias nenhumas. Apresentador (Cada vez mais embaraçado) Mas Sr. Alfredo Mandavir...Queremos ouvi-lo apresentar as suas ideias...as suas soluções... Alfredo Mandavir Eu não venho aqui fazer fretes. . Agora ia-me pôr a apresentar soluções só porque você quer?! Era o que faltava! Sou um homem com responsabilidades. Nós não precisamos de soluções para nada. O que nós precisamos, o que nós precisamos... ouça bem...o que nós precisamos é de problemas. Eu sempre defendi isso. É a minha teoria. Apresentador (Encontrando uma tábua de salvação) Isso, isso. Fale-nos da sua teoria. Alfredo Mandavir Já podia ter dito. É muito simples. Os problemas são a base de tudo. Sem problemas não há soluções. Mas os problemas sobrevivem às soluções. Olhe a morte, por exemplo. Tem solução? Tem solução? Diga? A morte tem solução? Hã? Diga? Nunca tinha pensado nisso, pois não? Apresentador (Interrompendo) Explique um pouco melhor a sua teoria, por favor... Alfredo Mandavir Os problemas são o húmus da vida. Essa é que é essa. Eu sempre defendi isso. É a minha teoria. A primeira tarefa a fazer é encontrar um conjunto de problemas sérios, graves. Os chamados sarilhos. Ou os codilhos, como dizia o meu tio. Depois, se conseguirmos muitos codilhos, assim todos entrelaçados uns nos outros, podemos mesmo chegar a criar uma crise. Apresentador Uma crise? Vai haver crise, senhor Alfredo Mandavir? Alfredo Mandavir Eu não disse isso. Sou um político realista, um homem com responsabilidades. Não posso prometer nada. Não se arranja uma crise assim do pé para a mão. É uma meta muito ambiciosa. Uma espécie de lotaria. Um trevo de quatro folhas. Mas é uma meta, é um sonho. Uma ambição. Nós, sem ambição não chegamos a lado nenhum. Apresentador Quer dizer que para si a crise é a grande meta? Alfredo Mandavir Tirou-me as palavras da boca. Os meus adversários não percebem nada disto. Têm medo. Eu não pactuo com isso. Eu estou aqui para olhar os meus compadres nos olhos e dizer-lhes a verdade. Apresentador Pretende então levar a inquietação e a preocupação a todos os lares deste país? Alfredo Mandavir Sem tirar nem pôr. A verdade nua e crua é que o Zé, o Zé Povinho contenta-se com pouco. Não enxerga um palmo à frente do nariz. É triste dizer isso, mas essa é que é essa. Para o Zé está tudo bem. Enfia a cabeça no chão e pensa que se safa com o “Podia ser pior. Vai-se andando!”. O Zé não quer fazer má figura ao pé dos amigos, dos vizinhos, da família. Os meus adversários ainda não perceberam isto. Falam todos com a boca cheia de números, engasgam-se com os por centos disto e daquilo. Quais por centos qual carapuça, o que nós precisamos é de problemas. Apresentador É uma estratégia de alto risco... Alfredo Mandavir (bebe um copo de água. Limpa os beiços com a camisola) Eu sou um homem de rupturas. Pão, pão, queijo, queijo. Problemas. Problemas a sério. Daqueles que fazem sangue. Que tiram o sono. Que dão tremuras e palpitações a meio da noite. Apresentador A meio da noite? Alfredo Mandavir Ora aí está outra coisa que eu mudava. Os meus adversários fazem fila para entrarem a abrir os telejornais das oito. Nem jantam se for preciso. E sabe porque é que isso acontece? Não sabem nada sobre o povo. Não conhecem o Zé! Pensam que ele chega a casa às seis e meia e que têm uma criada para pôr o jantar na mesa às oito. Nada disso. O autêntico homem da rua chega a casa a bater com as nove. Vem carregado com a mulher e os filhos. Só lá para as dez é que está despachado. É isto a realidade da vida. Apresentador E então como irá fazer para divulgar as suas políticas? Alfredo Mandavir Comigo os problemas são anunciados ali entre a meia noite e a uma da manhã. Entre a meia noite e a uma da manhã. Quando o Zé já foi escovar os dentes ou a placa e se prepara para se enfiar no vale dos lençóis. Aí ele fica KO. Passa a noite a remexer-se. A virar-se de um lado para o outro. A destapar a Maria. A dar-lhe pontapés. A levantar-se da cama para ir fumar um cigarro à janela . E se a coisa for bem feita, noite após noite, uma a seguir à outra, ao fim de umas duas semanas, o coitado do Zé está de rastos, à mercê das nossas ideias, das nossas soluções. Apresentador Então sempre tem ideias, soluções. Alfredo Mandavir (pausa. António olha para ele incrédulo)Você não percebeu nada do que eu disse, pois não? Ideias, qualquer idiota as tem. Problemas, não. O grande desafio é conseguirmo-nos mobilizar todos à procura de problemas. Se nos sentarmos à sombra da bananeira à espera que os problemas nos caiam do céu não vamos lá. Temos de andar à cata deles. Sempre. Novos problemas. Problemas sempre cada vez mais complicados. É importante que consigamos complicar tudo. Apresentador Mas depois precisa de ter soluções, ideias para resolver os problemas? Alfredo Mandavir Isso é você que o diz. Não ponha palavras na minha boca. Eu falo por mim, pela minha experiência de vida. Sou um político responsável. Se já temos os problemas para que é que precisamos de soluções? Apresentador Mas então nunca vai resolver nada? Alfredo Mandavir (tom de gozo) Convença-se disso, as soluções só atrapalham, só servem para resolver problemas. O que precisamos é de um grande esforço nacional para não cairmos em falsas soluções. Chega de falsos profetas. Para não cairmos no facilitismo. Basta de pensarmos que temos soluções para os problemas. Eu acredito no patriotismo das pessoas. Eu acredito que as pessoas sabem distinguir claramente entre quem tem soluções e quem tem problemas. Apresentador E não tem medo que as pessoas se virem contra si? Afinal vai complicar-lhes a vida? Alfredo Mandavir Já ouviu o povo? Lá no fundo o povo não acredita que os políticos resolvam alguma coisa. É por isso que um político, um verdadeiro político não deve ir contra as convicções mais profundas das pessoas. Os grandes problemas são o alibi perfeito para os grandes políticos. Ninguém gosta de quem passa a vida a resolver problemas. Há lugar para esses, claro, nas obras de caridade e misericórdia, nas repartições públicas, nos escuteiros, mas não na condução dos destinos do país. Durante a tempestade, o que o povo quer é esperança. Apresentador Diz o povo, “Depois da tempestade vem a bonança”. Alfredo Mandavir Ora nem mais. Por isso é que é necessário criar sempre novos problemas. Uma roda imparável de problemas a girarem, a girarem sem parar. Uma roda gigante que nos leve ao sonho, que nos restitua o optimismo, a fantasia, a esperança. Os portugueses sabem que podem contar comigo. O meu lema é “Dêem-me uma solução, eu arranjo um problema!”. Um novo problema, cada vez mais difícil. É preciso manter a candeia acesa. A luz ao fim do túnel. E um dia, se os ventos estiverem de feição nesta borrasca que é a única coisa que em consciência posso prometer, virá a crise. A crise em todo o seu esplendor. Como se fosse uma aparição. Uma luz branca, a estremecer, que atravessa os céus e cai em cima da oliveira. Como um raio. Apresentador E então, nessa altura, quando a crise chegar, o que é que faz? Alfredo Mandavir O que é que eu faço? Homessa! Recebo-a com todas as honras protocolores. Passadeira vermelha, claro. É uma questão diplomática, de Estado. Não se pode tratar uma crise a pontapé. Ela é que manda. Ela é que diz a que horas nos levantamos e deitamos, o que produzimos ou não produzimos, o que comemos ou não comemos. Ela é que manda. Ela é que põe e dispõe. Ela é que diz se casamos ou se nos descasamos, se ficamos aqui ou se emigramos, se os miúdos continuam a estudar ou se vão trabalhar, se vamos de férias para o Algarve ou se nos trancamos em casa à espera do Outono, se mudamos de carro ou compramos o passe da Carris. Ela é que manda. Com ela andamos todos a toque de caixa. Apresentador Então a crise é que vai governar o país? Alfredo Mandavir Claro. É por isso que as crises são boas. São como uma mãe. Tratam de nós com carinho. Estendem os seus braços para nos acalmar com a mesma naturalidade com que nos põem no quarto de castigo ou nos dão uns sopapos bem dados. Com as mães não se discute, obedece-se. É por isso que eu digo, é preciso sentir o pulsar deste povo. Se você andasse no meio da rua, ali entre o povo, o autêntico povo, percebia que as pessoas andam tristes, andam sem esperança, sem ânimo. Como se fossem órfãs. Falta-lhes uma mãe. Uma crise. Uma crise é como uma mãe. Essa é que é essa!

quarta-feira, outubro 01, 2003

NON, ou a glória dificil e não vã

No Dia Mundial da Música, chega-me hoje da Zona Non , o anúncio de um silêncio que entristece: "1.Out.2003 Lamentamos ter de comunicar a todos os leitores o fim da revista digital ZonaNon (ZN), e também, de alguma forma, o termo da experiência de intervenção crítica, na área do digital, iniciada em Março de 1996 com a NON!, e ininterruptamente mantida até agora. Existem dois motivos fortes para esta decisão: - A evolução dos conteúdos, do aparato técnico e dos formatos que circulam na rede, tem produzido alterações muito significativas ao nível do seu universo de leitores. O fenómeno dos blogs, por exemplo, levou um grande número de colaboradores e de frequentadores de publicações análogas - e também da própria ZN - a alterarem, por vezes acentuadamente, os seus hábitos de navegação na rede. Esta situação exige uma contra-ofensiva, capaz de integrar inovação, redefinição de conteúdos e melhorias na programação e no grafismo, exigindo disponibilidade de meios que neste momento não podemos assegurar. - Tudo isto se torna ainda mais difícil com a indisponibilidade momentânea da maioria dos membros da actual redacção, motivada por motivos de ordem pessoal e profissional, para continuarem a manter durante os tempos mais próximos o mesmo ritmo de trabalho. De uma tentativa para prosseguir nestas condições resultaria, inevitavelmente, a decadência da revista. Assim, a decisão de fechar a ZN tornou-se inevitável, restando-nos pedir a compreensão dos nossos leitores, de velha e de recente data. Se bem que pensemos regressar, teremos de o fazer num outro formato, sob outro título e apenas quando as melhores condições estiverem reunidas. Poderá ser daqui por três meses, pode demorar um ano. Ficamos, pois, com os contactos de todos os inscritos na newsletter: serão eles os primeiros a saber das novidades, caso elas existam. Entretanto, os arquivos da ZN e da NON! irão permanecer em linha, para já no endereço habitual. Saudações a todos e, esperamos, até breve. O editor, Rui Bebiano " [uma notícia triste, esta. tristeza também porque, como todos os verdadeiros acontecimentos, é um daqueles que nos espelham e nem sempre a imagem nos é favorável. por mim falo, quando rui bebiano e a sua reduzida equipa iniciaram o NON, comecei, intimamente, a acreditar mais no principio de realidade que há neste país dos cidadãos, como dizia num poste recente a Natureza do Mal. foi o meu primeiro link dos favoritos na rede, isso lembro-me. cheguei a colaborar lá. e se ler é escrever como afiançava Roland Bhartes, então sempre colaborei com o NON. assisti impávido e expectante à sua primeira paragem, para reorganização, e tive a alegria de a ver tornar, mais forte do que nunca, na ZONA NON. leio "O fenómeno dos blogs, por exemplo, levou um grande número de colaboradores e de frequentadores de publicações análogas - e também da própria ZN - a alterarem, por vezes acentuadamente, os seus hábitos de navegação na rede. " e revejo-me totalmente neste parágrafo. revejo-me sem alegria na face, como quem se dá conta. o tempo nem sempre em nós cresce a vida, o ímpeto. creio bem que por vezes, e tudo me diz que esse pode ser o caso, decresce em nós o viver. esta também é a forma de contrapor algo ao irrespondível na amizade, que encontrei nos dois comentários à minha entrada anterior, e me comove, claro, seja ela breve, daqui, no caso do Outro, Eu , ou longa, dos tempos de um outro fórum, o DN Jovem, falo do Luís Graça, . escrevemos, escreveremos sempre, nada disso se duvide, a escrita é gesto que se impôe como tentativa de revelação de um mundo que não nos é dado. escrevemos, escreveremos sempre, mesmo sabendo que com palavras ocultaremos demasiadas vezes o que, ainda com palavras, tentamos, tentaremos, sempre, trazer à luz de uma mundividência partilhável. mas se disso tivermos de fazer lugar, que seja apenas um lugar de passagem. edificar o templo, arrasá-lo, pedra sobre pedra. não nos festejemos ainda, ou, festejando sempre, não nos festejemos nunca. uma notícia triste, então. possivelmente há nela uma alegria escondida, e é dela que, espero, nos viremos a ocupar em seguida. ]