sábado, agosto 16, 2003

Quase, quase...

a fuga. 1. na dimensão do possível. portimão. ainda existirá quando lá chegar? há qualquer coisa na dimensão deste fogaréu que não deixa ver. repentina luz que oculta. tenho alguma ansiedade em saber qual vai ser o país que se vai ocupar desta catástrofe. o discurso político começa a procurar o "unissono". como se pressentisse que o exercício de estilo com que tem consumido a nossa vida não é suportável diante da tragédia. será que amanhã a política irá ser outra coisa? pode ser que esta tomada de consciência dos políticos seja apenas uma reacção corporativa. ao perceberem que desta vez o epicentro da discussão não pode ser o discurso político perdido no vazio de uma partidirização sem antagonismo que se veja. a politica terá de, momentaneamente, recuperar a sua finalidade e constituir-se como objecto de resolução dos problemas da vida das pessoas. estou com alguma ansiedade a este respeito, confesso. 2. antes de partir de férias, encontro uma polémica (brutal, disse bem o Outro, Eu) sobre A Formiga de Langton, recuperada por esta através do responso a dois posts duríssimos de o Alfacinha e Tomaz-vs-Cunhal. o discurso da formiga é de acesso restrito. a leitura de a formiga de langton surge-me dificil. para ler o seu texto tenho de ter o cursor sempre a mão, acompanhando a largura da página com um vaivém entre a margem direita e a esquerda. as fotos não ajudam materialmente, embora sejam precioso suporte do escrito. confesso, para mim o inglês é factor adicional de perturbação da leitura. muitas vezes tenho de reler, tresler, para encontrar o sentido do expresso. mas não lhe reconheço nenhuma arrogância intelectual. a sua própria presença na blogosfera é uma abertura à comunicação. sem dúvida que haverá uma comunidade que dominando os códigos de leitura do formigueiro segue mais rapidamente o carreiro deste blogue. mas eu dou-me por feliz, neste como noutros casos, em poder ter acesso a. por dentro da ilegibilidade assumida da formiga descortino uma proposta de leitura que me seduz. e que me enriquece. prefiro sentar-me demoradamente diante de uma formiga que, mesmo que me faça sentir momentaneamente ignorante, me abre ao conhecimento de outros mundos que desconheço, do que desperdiçar o meu tempo com blogues que, levando-me a verberar a ignorância alheia, me fazem sentir demasiadamente inteligente. em quase todos os lugares, mas principalmente no espaço-rei da expressão, a blogosfera, a arrogância intelectual acontece mais frequentemente como acto de leitura do que enquanto acto de escrita. não é por isso que falo disto antes de partir. e da forma breve com que o irei fazer. ao ler a formiga de langton, tenho mais uma vez a sensação de que a ciência e a arte são dois campos muito maltratados neste país. nós, os da criação artística lembramo-nos disso muito poucas vezes. cada vez mais amiúde, é certo. mas ainda pouco. fazemos alguns cruzamentos, sugerimos aqui e acolá incursões temáticas. mas ainda é pouco. até setembro.

sexta-feira, agosto 15, 2003

Máquina da Verdade

[ ao deixar um comentário num tijolo de o Muro sou atirado para a memória do meu estágio na SIC, donde me salta esta história que, para mim, tem sido determinante para o modo como eu encaro o jornalismo televisivo (não confundir com os seus derivados] eu estava na praça pública e, como todos os estagiários, íamos acompanhando diferentes jornalistas, que, durante esse tempo, eram, num clima bem informal, uma espécie de irmãos mais velhos, a quem encomendávamos as nossas notícias-sombra (o estagiário escrevia, paralelamente ao jornalista, a peça respeitante ao assunto que fora acompanhar, escrita feita num tempo mais demorado, com reescrita permanente, aprimorando o estilo, a concisão e a objectividade). quando me calhou a vez, e o privilégio, de estagiar com a ana margarida matos (hoje, póvoa), ela estava com uma peça em mãos sobre um padre que ali para os lados de mangualde, colocava em estereofonia os sons do terço e da novena, regando o vale e os montes de veraneio com aquele salpicar de religiosidade impúdica. já que o estágio em princípio era feito em Lisboa, por generosidade da estação, e de odacir júnior que comigo teve de repartir o quarto, lá fui também. a história tinha um fundo simples, aquele confronto entre um portugal interiorizado na sua ruralidade, onde o peso da Igreja sanciona quase todos os anacronismos, com um outro, que arrasta a asa a uma modernidade apressadamente recolhida na migração para a capital. mas não era tão simples assim. parte da população, principalmente a segunda geração da terra, aquela que voltava quanto a estação dos calores estivais se apresentava no calendário, queria era tranquilidade. paz e sossego. e, tanto de manhã, como à tardinha, lá tinha uma ligação directa à rádio renascença, que colocava todo o povoado em sobressalto com as orações e os rosários de um país que embora pareça rezar em uníssono, para o fazer resguarda-se no recato dos lares ou dos templos. o mais caricato era, como nessa tarde presenciámos, quando a emissora católica mudava de f e da fé passava, inadvertidamente, ao futebol. era todo o vale que se eriçava com uma "Bola Branca" assistindo às inflamadas descrições das peripécias do pontapé na bola. o autor da denúncia estava à nossa espera à porta da povoação. e logo percebemos que a história era muito mais grave. o padre era acusado também de umas questões pouco claras com dinheiros da paróquia. questões pouco claras porque nem o eram na boca dos seus acusadores. que a certa altura se percebia que eram liderados por um filho da terra que tinha, a dado momento, começado a fermentar contra o padre um daqueles ódios que nestas terras pequenas assumem por vezes porporções desmedidas. uma das acusações era a de ter desprezado a casa que o povo lhe construira, para, por puro desprezo, se ir enfiar numa casa quase ao lado. era preciso ouvir o padre. ele estava na Igreja, disseram-nos. quando fomos ter com ele, estava dentro do carro, deve lhe ter passado pela cabeça algo, que era o nicky lauda, ou alguém do género. dá uma valente guinada, e acelera, rasgando o pó da estrada, passando em alta velocidade pela ana margarida que é obrigada a dar um salto para o lado. depois de passar por nós a alta velocidade vai, em direcção à sua casa. foi a partir daí que o odacir começou a gostar mais da história. corremos todos para o carro e vamos em perseguição ao padre, com a adrenalina a subir na mesma porporção da pergunta, o que é que se está aqui a passar, caramba, é com esta idade que este tipo quer brincar aos rallyes? o padre esconde-se em casa. entramos pelo quintal e batemos à porta. está aberta, um reposteiro espanta moscas é a única fronteira. do lado de dentro a voz da fiel serviçal do padre. "- O Sr. Padre não está. "- Nós vimos o Sr. Padre entrar. Queriamos falar com ele sobre...- diz a Ana Margarida Matos. "- O Sr. Padre diz que não fala com jornalistas. - Mas nós queriamos fazer-lhe umas perguntas sobre a aparelhagem colocada na Igreja. Ouve-se um sussurar, um falar ao ouvido e a mulher, do interior da cozinha continua a fazer.nos frente: - O Sr. Padre diz que não tem nada a dizer sobre nenhum assunto. - Podia pedir ao Sr. Padre para chegar aqui, por favor? - insiste a jornalista. Nessa altura, pelas frestas do cortinado, percebemos que o Padre se aproximou da empregada, para lhe dar instruções mais promenorizadas, ficando assim vísivel. Ana Margarida M. abre o reposteiro e diz: - Senhor Padre, podemos entrar para falar só uns minutos consigo?. - O padre, em presença, não tem coragem para dizer que não. Avançamos, não fomos convidados, mas quem cala consente. Odacir tem a luz da câmera ligada, claro. o padre percebe que ela está ligada e recusa-se a ser filmado. desligamos a câmera. "atira-nos" para cima com o livro da santa concordata, explicando que não está a fazer nada de mal, que aquele calhamaço lhe fornece o direito bastante de ir atender as almas que vão de manhã e à tarde para os campos e que só faz isso por dever de "pastor do rebanho". foram elas que lhe pediram, para não terem que subir à igreja interrompendo o amanho das terras. lê-nos, com voz trémula e cansada, um parágrafo da concordata, acompanhando-o com uma passagem da Bíblia. ana margarida matos percebe que não lhe basta falar com o padre. tem de gravar o seu depoimento, a sede de contraditório da sua reportagem. e consegue explicar isso tão bem, que este deixa de implicar com a máquina do Odacir e anui. mas quer falar na Igreja. Combinamos então o encontro e dirigimo-nos à igreja. de todo o lado começam a chegar pessoas. os fiéis do padre que nos quer mostrar que não tem só detractores na comunidade. está um calor intenso na Igreja repleta. mandam-nos chamar à sacristia, o Sr. Padre está pronto para falar connosco. quando entramos está a colocar os paramêntos. mostrando-nos claramente que a entrevista tem um fim e que lá fora as pessoas esperam por esse fim para ele poder dar inicio à celebração do Senhor. a entrevista começa. o padre vai respondendo ao interrogatório cerrado que a ana margarida matos lhe faz. está acompanhado pelo seu irmão. que nos explica que ele tem uma doença muito grave. o tremor violento nas suas mãos, nos seus olhos, na sua própria pele conta o resto. o padre parece que vai sucumbir à nossa frente. olho para o Odacir, ele está tenso. eu estou mesmo atrás da ana margarida e coloco os óculos. vêm-me as lágrimas aos olhos. por razões outras. o meu pai também fora padre, devia ter a mesma idade deste padre e tinha, há um mês, descoberto que tinha um cancro, fulminante. coisas estranhas à história, claro. mas que me assaltavam quando víamos a terrivel humanidade e fragilidade daquele homem. a jornalista não desiste, o padre parece ir esparramar-se no chão mas por alguma razão ana margarida matos é uma grande jornalista. ela não quer ter a sua opinião do padre. quer, na medida da possível lealdade da máquina ao acontecimento, à realidade, devolver o exacto do testemunho daquele homem. Insiste, pergunta-lhe pela casa que ele desprezou. construindo uma casa ao lado. ainda bem que ela fez aquela pergunta. o padre responde que estava muito agradecido ao povo, que não era desprezo, que lhe tinham construido umas escadas muito ingremes ( e eram de facto, nós próprios o tinhamos comentado quando lá tinhamos ido) e que ele tinha caído lá uma vez e ganhara medo, um medo terrível. mas que não desprezava a casa, era muito bonita, só que aquelas escadas são muito perigosas, ele também era diabético. não teve coragem de dizer isso às pessoas, elas tinham sido tão voluntariosas. é evidente que só o paralelismo entre a situação do padre e a do meu próprio pai me levou para a dramatização desta situação. mas foi ela que me permitiu perceber o real valor daquela máquina que o odacir transportava. quando conjugada com a intuição de uma verdadeira jornalista. no decorrer da entrevista eu estava mesmo atrás da ana margarida matos e várias vezes pensei " ana margarida, chega. tem piedade deste homem. acabou-se, vamos embora". mas só quando ele respondeu a esta última pergunta é que eu percebi que a verdadeira violência seria não ter captado a fragilidade e a humanidade daquele que até aí, parecia apenas um homem respigando aqueles laivos de despotismo com que a igreja católica, na sua anacrónica presença na nosso tempo, tantas vezes vai maltratando o nosso tempo. e quando terminámos a entrevista e saímos, passando por aquela pequena multidão que nos olhava num misto de pavor e desprezo, é que sentimos, todos, uma estranha recompensa.

quarta-feira, agosto 13, 2003

E fez-se luz...

"Eu escrevi, publiquei e re-publiquei uma das mais duras (e raras) criticas feitas ao Acontece na altura em que o programa se auto-comemorou, com toda a fina flor do nosso establishment cultural diante das câmaras, governava o engenheiro." Pacheco Pereira em o Abrupto 1. Li uma vez esta frase e segui o texto até ao fim. A certa altura há algo que não me soa bem. Eu tinha lido o " O que não aconteceu no acontece", a que Pacheco Pereira faz referência. Voltei atrás e eu não acreditei no que estava a ler "na altura em que o programa se auto-comemorou, com toda a fina flor do nosso establishment cultural diante das câmaras, governava o engenheiro". 2. Eu ainda não acredito no que estou a ler, nos sentidos que eclodem no lido. Treslido. Travo a língua, um filhos de uma grande mãe seria a única expressão com que conseguiria saudar aqueles que fizeram terminar o Acontece. Que não aqueles que hoje expandem a sua retórica sobre o assunto. Por isso calo-me. Nem aqui me permito esta liberdade de me indignar assim. Mas fica dito que era o que eu diria se a minha língua não viesse com um travão como apêndice, instrumento utilissimo em dias como este. 3. Filhos de uma grande mãe! Não pode ser possível. Digam que não é possível. Mas digam-no com clareza. 4. Por favor, é muito importante para todos nós. 5. Para nós que damos os dias, os meses e os anos da nossa vida a trabalhar pela cultura em Portugal. Sem andarmos nos píncaros, a pôr-nos em bicos dos pés. Que só fomos notícia quando, mesmo neste país, era quase impossível fechar os olhos ao que fazíamos. Que não acontecíamos no Acontece, também. Que acontecemos em bairros onde quase não vai ninguém senão aqueles que o habitam. Que acontecemos em escolas, em empresas, em prisões, em hospitais. Nas aldeias, nos povoados. Cada palavra que escrevo é retórica. Mas para mim que as escrevo cada uma delas têm mais de que um nome, um nome concreto, que só não escrevo por pudor. De artistas transmutados em divulgadores, animadores, sensibilizadores. Porque é preciso que a arte se misture com o viver das pessoas, que as pessoas misturem as suas vidas com a arte, com a cultura. 6. Gente que muitas vezes não acontecia no Acontece. Mas que defende a sua existência. Que se indigna. Mesmo sem ter compreendido o que agora, abruptamente, me foi dado intuir. 7. Senti sempre que era estranho o Acontece, não um mero magazine cultural como alguém aqui na blogosfera defendeu, mas o único jornal cultural diário, tenha motivado tanta truncagem de números, sobre o verdadeiro número de page views do seu contador de visitas. Ou, tanta destilação de preconceito contra os apoios do estado à cultura, e, por, inerência, aos que os recebem, ou contra umas pretensas elites que dele fariam gáudio e festa. Ou tanta falsidade ministerial sobre os seus verdadeiros custos. Todo aquele pensamento minorca e característico de um país culturalmente aleijado que em vez de considerar 48% de analfabetos funcionais como um patamar a ultrapassar, via nestes mesmos números a oportunidade para legitimar um país de fado e futebol. 8. Escrevi aliás uma vez que dizer que o orçamento do Acontece dava para pagar uma viagem à volta do mundo a cada um dos seus telespectadores , só revela a dimensão de um mundo pequeno e atarracado, construído à imagem e semelhança de quem o profere. 9. Porquê a mentira?, sempre me perguntei. Que interesses obscuros a ela tinham conduzido? 10. Porque é evidente que não se termina com um programa que durante dez anos prestou tantos e tão relevantes serviços à cultura portuguesa, apenas porque há divergências editoriais. Legítimas, não é díficil encontrar um largo espectro de pessoas, dos mais diversos quadrantes, que subscreveria as criticas que têm sido feitas ao Acontece. Principalmente quando estamos a falar de um país que, quanto à cultura, tem problemas tão profundos e entranhados na nossa própria carne. Um dos grandes problemas editoriais do Acontece é que durante anos e anos aconteceu sózinho. Uma análise conscienciosa do percurso deste programa não poderá deixar de verificar que a vinda de outros programas culturais veio obrigar o programa a recentrar-se. Que melhorou. 11. Uma das grandes pechas do nosso jornalismo cultural, na imprensa escrita, na rádio, ou na televisão, é que, como a cultura não tem foro de cidade na nossa vida quotidiana, a sua edição misturava, amalganhava, todos os recursos de que esse mesmo jornalismo podia dispôr. Na ausência da reportagem, da entrevista, da própria notícia, era quase sempre a crítica que ficava com o encargo noticioso, o que, para além doutros efeitos perversos, tinha o de não haver confronto de opiniões. A cultura portuguesa viveu e vive ainda, numa sociedade democrática, sob o efeito nefasto de práticas autistas e que favorecem a "unicidade" de pontos de vista. 12. Para além de outros efeitos perversos, disse. Quem é que sabe escrever, opinar ou criticar sobre teatro, cinema, artes plásticas, dança, folclore, música ( e quantas músicas...) e ao mesmo tempo sabe as permissas de uma edição de carácter jornalistico sobre a cultura? E o outro lado? O dos jornalistas? Quem no campo dos média sabe tratar com dignidade a coisa cultural portuguesa, aquela que habita e respira em todo o país e não só nos salões alcochoados, nas suas diferentes áreas? 13. Porque este é o País que aconteceu no Acontece. À falta de visão para mudar o país, matou-se o mensageiro. As limitações da actividade crítica, que todos nós subscreveremos, o seu elitismo, o seu funcionamento em circuito fechado, são uma consequência do exercício da actividade crítica em Portugal. A todos nós nos causa dano, principalmente aos criadores que não estão na lista diminuta dos eleitos, dos circuitos palacianos. Há um país que não acontecia no Acontece, não haja disso a minima dúvida. E muito desse País que não acontecia no Acontece, ficava de fora porque, ao invés do que parecem fazer crer, o programa tinha limitações de equipa e de orçamento. E tinha-os porque era um jornal cultural e um jornal cultural diário. Quanto maior a sua actividade mais escassos os seus recursos. Agora é inegável que, no que toca ao jornalismo cultural, o Acontece remava contra esta maré. 14. Consulte-se a lista do último abaixo assinado contra a extinção do Acontece e verifique-se quantas daquelas pessoas aconteceram no Acontece. Se reconhecidamente muitos de nós somos excluídos do Acontece, porque é que mesmo assim, nos indignámos e opusémos ao fim do Acontece? Alguém, nos que falam genericamente sobre o Acontece, tem uma opinião sobre este facto? 15. Eu tenho o meu testemunho. É que se o meu mundo pessoal enquanto criador, enquanto animador, não Acontecia no Acontece, vi neste programa, ao longo dos anos, uma tentativa séria, esforçada e competente para investir num jornalismo cultural que alargava significativamente a visibilidade da actividade cultural e artística no meu país. Só o esforço e o empenho continuado e sistemático em jornalistas editarem jornalisticamente a cultura deste país, vale o que este país paga pelo Acontece. 16. E, depois desta justa retribuição, ainda recebia por bónus um Carlos Pinto Coelho embasbacado com a cultura dos livros, mas que leva o seu basbaque à honestidade de ler (ou de ter quem por si os lesse) as obras que apresentava. Uma das imagens mais relevantes que ficará deste programa eram os livros profusamente anotados, cheios de post-its, que ele ia saltando de página em página, confrontando os autores com o exacto das suas palavras. Talvez a sua voz tivesse aquele tique de quem gosta de se ouvir, talvez os seus olhos esbugalhados deixassem fazer cair uma paixão que muitos entenderam como um acriticismo reverente e pasmado, mas bastava ouvi-lo para - gostando ou não dele, o que é que isso interessa, usamos e abusamos do nosso gosto neste ofício insano de desgostar do mundo - sermos nós a encurvar a tola reverente pelo sentido ético deste raro dinamizador cultural. 17. Muito mais poderia ser dito, a favor ou a desfavor do Acontece, mas tudo isso, iria engrossar esta suspeita intuida de que não é o Acontece, o real alvo deste triste vilipêndio, resultante de uma sanha revisionista de que, na sua incontrolada mão delapidadora, não há memória em Portugal. Senão nos anos de um gonçalvismo de triste figura.

ERRATA...(ou abjuração do realismo absoluto)

[ a meio caminho do aquém-além, que é o sítio onde, em nós, guardamos os nossos mortos] ontem quando disse "há muito que também queria matar os mortos para, depois de os enterrar, poder cuidar dos vivos", na minha pressa de te responder, não fui totalmente claro. o que eu deveria ter dito era " há muito que eu queria matar os mortos-vivos para melhor poder cuidar da minha relação com os vivos-vivos e com os vivos-mortos.".

Delete Blog.

eu nunca teria vindo morar aqui, se este equipamento não tivesse a funcionalidade: DELETE BLOG. o efeito da precariedade na escrita. foi na areia que aprendi a escrever, enquanto olhava, e admirava, lá mais à frente, um mago que escrevia na própria água.

terça-feira, agosto 12, 2003

Os Donos do Mundo

[ caiu a noite entretanto. P e H contam as moedas. O tilintar das moedas inspira-lhes a poesia] "P: Quem manda no Mundo? H: Os Estados Unidos. P: Quem manda nos Estados Unidos? H: A sociedade de mercado. P: Quem manda na sociedade de mercado? H: Os que vendem. P: Quem manda nos que vendem? P: Os que compram. P: Quem são os que compram? H: Todos nós. P: Quando é que é a reunião do conselho de administração?"

Os lugares santos

" P: Quem financia o terrorismo? H: Bin Laden. P: E quem financia o Bin Laden? H: Alguns dos países mais pobres do Mundo, juntamente com a Bolsa de Nova York, de Tóquio, de Londres, de Paris. Os paraísos fiscais. O tráfico de droga. P: Os Estados Unidos e o Reino Unido vão atacá-los a todos? H: Menos aos lugares santos. P: Porquê? H: A guerra anti-terrorista não é uma “guerra santa”. " [diálogo recolhido há uns tempos largos, ainda não havia blogues, entre uma Pergunta (P) e uma Hipótese (H), dois personagens esfarrapados que coleccionavam moedas de um euro num daqueles parques de estacionamento improvisados da capital.)

Anacronismo

Noticias na SIC. Camacho conta com Tiago. Manchester com...Cristiano(esqueci-me do resto do nome e não vou sair daqui para saber). Lazio com Sérgio Conceição. O País que arde. E o país que se deixa arder. Em lume brando. Uma rapariga que esteve dez anos nas terras do não e que a teimosia, a paciência e o amor da família, devagarinho, trazem pela mão. De volta à vida. Aos pequenos gestos. Sob o olhar cúmplice da ciência, impotente para estes negócios fronteiriços entre a vida e a morte. Foi uma alegria quando ela mexeu um dedo. O outro. Agora a ciência já se arrisca a fazer prognósticos. A apoderar-se do real. A ela o vísivel. Ao amor, à paciente teimosia, o expectro do invízivel. Penso nesses dez anos mergulhados no silêncio. Uma rápida associação de ideias entre SIC, Rangel e a TSF, a propósito de uma conversa com um enorme ruído de fundo, e ocorre-me o triplo CD que a TSF editou a propósito da sua histórica edição comemorativa do vinte e cinco de abril. Toda uma rádio a fazer, durante vinte e quatro horas, um flash-back ao primeiro 25 de Abril das nossas vidas. Agora sou eu que ouço e vejo Rodrigo Guedes de Carvalho a recuar vinte anos atrás. Estamos em 1983. Hora das notícias. E uma sensação angustiante. Como é que pudemos sequer ambicionar existir, ou chamar existência à vida que levámos, sem termos em primeira mão todas aquelas coisas importantes que a televisão nos oferece hoje em dia? E, ultrapassada a angústia, a consciência do feito: como chegámos aqui?

segunda-feira, agosto 11, 2003

A praça vive

A praça vive Corre aquele vento que nos atira de manso sobre o dorso do paquiderme que construímos na areia molhada. O pó lidera os pequenos gestos que nos perseguem. É o viver que nos incomoda. O arrotar, o tirar à vez, o visitar do zombi que sacode, quando a praça revive o nosso tosco idílio de gente revirada do avesso. O cão-poema ladra aos tornozelos das moças que atravancam a linha do horizonte. Poesia descendo do infindo, antecedendo-o, na leve ironia de mundo que aqui há. É diante do poema evaporado que a praça acorda e reacende a poesia do retorno. Tal como o cão, o poema tem o vício de ranger entre dentes. O calor da tarde supera tudo, o cão, a esplanada, o puto, o movimento e o menor povoléu. Houvesse um rasgo de amor para acender este lume de agosto. [Nem que fosse o fóssil que aquela criança roubou ao livro da terra antes de guardar um sopapo por se ter entranhado com o pó.] Não há. Até o fóssil ri de tal estio, é secante o traçado das águas, o poema-pau de fósforo apaga-se na correnteza. [Subúrbios, 1995]

Movimentos Diurnos (3)

Povoação entrando no habitável território. Nasce aquela pergunta - inocente- com que ocultamos a pertença. [Subúrbios, 1995]

Movimentos Diurnos (2)

Doravante dobraremos a língua no impulso mor do contentamento. Repetindo a impressão, a marca gravada no escuro da linguagem. Um real invés, dissimulado, conduz-nos às melhores precauções. Diremos mundo-mundo para cifrar o exconjurável dos elementos naturais, o ar, a terra e a água cristalina das manhãs de fogo. Sendo que o tangível será sempre o sofrer disto: Algumas ervas lunares na careca discreta, o de lá, o de nunca e o agora, da palavra seca, incendiária. [Subúrbios, 1995]

Movimentos Diurnos (1)

Retrabalhamos a pedra mármore e pintamos de azul a cerca. Não estamos lá quando perguntam e - se perguntassem - não estaríamos nunca. [Subúrbios, 1995]

Desastres de Sofia

Iria sangrar, avisou, esclarecendo-se sobre uma impossível fuga, enquanto desligava a televisão universal do subúrbio. Depois, calcorreando todos os mitos onde a sobranceria do homem se sobrepunha à própria façanha de homem, acabou finalmente por escrever que desta vez não, nunca. Havia uma pergunta snipper, encostada ao lábio arroxeado pelo frio seco, mirando o alvo, premindo o gatilho. Se fosse um poema-filósofo não teria tido melhor sorte. Ao invés de sangrar foi no sangue que se estatelou, a questão, a pergunta, fosse o que fosse. 2. Na ausência do mosto, do sangue da uva negra o labirinto televisivo vociferava os números do lagar. Tremendo, temendo, o poema revirou o negro das imagens. A sua imaginação intranquila recordava a profecia de um guerreiro, “ o fim do ofício de matar será o nosso próprio fim” 3. A crisálida é menos violenta do que o objecto esvoaçante que aí vem. Não há nenhuma tese na poesia invísivel, no gesto devir. Há cansaço e insistência, aquele tornear do desespero borboleta; do rebentamento com que a terra empesta o ar habitante. No velho teatro mundial o dedo indicador inscreve-se na pronúncia das coisas. 4. As mãos formam o sentido do regresso à ideia, ao gesto da ideia. A explicitude inútil de apontar, de caçar crisálidas. De Sarajevo a Beirute, o rosto enrugado daquela velha mutante atravessa o subúrbio na espinal medula da violentação. Por mais cruéis que sejam as exéquias, é a flor que abana o prosseguir. O troar das salvas da morte? Brando gesto menor face ao rebentamento com que a terra sulca todas as coisas.O ofício do guerreiro conhece-o, a sua coragem vã não desoculta o segredo original. A heroicidade do vira-lata , da flor, da borboleta, das rugas no rosto, é mais tecedora. 5. A manhã bósnia é, delirantemente, a manhã mundial da catarse do subúrbio. Dos lugares em que a música maviosa dos morteiros não interrompe o inexistente pasmo. Madrugada que se espanta da sua morte prematura. Amanhã o retomar da arquitectura desflorará a inocência das cidades destruídas. 6. A aldeia geral entretecida com o sussurro suburbano. O cristalino ribombar da besta natural nos olhos cerrados de merda, mitema da avestruz encapotada, selvagem forma de virgindade. O espectador-morto, encaixotado no seu suicídio de mundo 7. Morte da morte. Presença inesgotável, insuportável. É o excesso de angústia que petrifica a ingenuidade da fuga, do desejo de Berlim. As palavras-cor definham no palato ocre que saboreia o espectáculo interminável da maçã. 8. Incansavelmente vistoriou cada frame, cada fotograma. Aquela ideia de bandos de putos recuperando as armas caídas do corpo bélico dos mortos, e de que, de ora em diante, nem mesmo a cruel inocência de Sofia seria um lugar deste mundo, gelava-lhe de horror o sangue de cobra rastejante. Morro já aqui diante da tensão de respirar o perfume do nojo, pensou, no cemitério dos vivos. Morro e será de imensidão trémula a mão que me guia. Quando os números repelentes repetirem a sala vazia, tornarei à insensatez de falar da minha morte, acrescentou sofrega mente. 9. Os lugares evaporavam-se. Iam-se no mansinho do estilhaçar, deixando centos de milhar de múmias às arrecuas na devoração da violência dos gestos kamikaze. Regressava o inexpiável.. O inexpiável de Morin. O poema terminará um segundo antes da marcha triunfal da poesia do mundo. Do estertor poético das coisas. 10. Estava já o devir infindo dentro da sua mão, na concavidade rugosa da sua mão vazia, era a apoteose dos cheiros invencíveis, dos sons galgantes no irredutível musical da surpreendente respiração dos vivos, das promessas de cores nas estações no inicial dos ciclos, dos macios gestos da voz arremesso, era a apoteose da morte gritando em surdina, delírio precário riscando nomes no mapa-múndi, escrevendo no mesmo mapa que o estratego percorrera, dias antes, no rasto dos seus dedos sujos e alvos de uma experiência isenta da dor de sangue. Isenta da dor de sangue seu. A Europa era uma putéfia interminável sobre os Balcãs, rasgada pelo próprio medo e teimosia alarve, desmobilizada no tecer nobre e digno do seu antiquíssimo ofício de concubina. Estava já o devir infindo dentro da sua mão, na concavidade rugosa da sua mão vazia, era a apoteose dos cheiros invencíveis, dos sons galgantes no irredutível musical da surpreendente respiração dos vivos, das promessas de cores nas estações no inicial dos ciclos, dos macios gestos da voz arremesso, era a apoteose da morte gritando em surdina, delírio precário riscando nomes no mapa-múndi, escrevendo no mesmo mapa que o estratego percorrera, dias antes, no rasto dos seus dedos sujos e alvos de uma experiência isenta da dor de sangue. Isenta da dor de sangue seu. A Europa era uma putéfia interminável sobre os Balcãs, rasgada pelo próprio medo e teimosia alarve, desmobilizada no tecer nobre e digno do seu antiquíssimo ofício de concubina. [Desastres de Sofia, 1995)

Miragem

Tropeço nesta palavra. Não sei se foi por ontem termos falado em desertos. Decerto algum daqueles acontecimentos que só explicam alguma coisa enquanto se mantém no domínio do inexplicável. Dou por mim a soletrar a palavra. A descobrir-lhe um conflito. Mira-agem. Tensão entre mirar e agir. Como se ela, a miragem, resultasse numa acção exercida sobre o olhar. Por quem? Corro o eixo paradigmático do meu dicionário de sinónimos do word. Ilusão, alucinação, cegueira, decepção, delírio, engano equívoco, erro, falácia, fantasia, fantasma. Não fico satisfeito, insulto o meu pc, é um moralista empedernido. No dicionário da Porto Editora algo se releva sobre a ressonância da palavra: do latim mirare, mirari. Olhar com admiração. Estou mais próximo, sinto-o. Entretanto o texto abriu outras direcções. Avançar pelo dicionário em busca de uma palavra não me impediu de sentir o peso daquele banco de palavras. Quanto tempo para fixá-las, domesticá-las. Ocorre-me Miguel Angel Astúrias, que dizia ler matinalmente as páginas do dicionário, refrescando-se na torrente. Abrevio, este não é um texto, é um pretexto. Miragem. Uma aragem que corre no olhar. Estamos no deserto. [Miragem:efeito de refracção e reflexão total que, nos desertos, faz aparecer, dando a ilusão de próxima, a imagem invertida de lugares distantes como que reflectidos na água. (fig) ilusão, decepção. Mirar: do latim mirare,mirari - admirar, olhar com admiração]

a indignação é uma arma (em certas praças)

" CONTRA LA CENSURA /FRENTE AL MUNICIPIO DE SAN JUAN, PLAZA DE ARMAS Como es de todos sabido, por segunda vez, el Municipio de San Juan y su Alcalde, Jorge Santini, se han valido de medios legales para impedir la representación de la obra musical Chicos desnudos y cantando del dramaturgo norteamericano Robert Schrock, que producen Ulises Rodríguez y Raymond Gerena en el Teatro Tapia. { continuar a ler "A Indignação é uma Arma" (em certas praças)

sábado, agosto 09, 2003

Ética Blogueira (acto único)

[ leio, entre Homem a Dias e Reflexos de Azul Eléctrico, uma troca de posts, que para além das questões interacionais entre os dois blogues, que estão onde devem estar, em cada um deles, emerge a certa altura um conceito, o da "ética blogueira", que, adivinho, da forma intuitiva como organizo e edito este blogue, poderá também um dia vir a afectar este blogue. verifico aliás, que esta tentativa de criar uma ética blogueira já teve alguns episódios. relembro-me de um sobre o salvaguardar do material blogonauta (creio que levantada pelo Abrupto e pelo úuuuu...o vento lá fora) e, extra muros da blogosfera, a posição de Pedro Rolo Duarte sobre a necessidade de se vedar este espaço aos que têm um espaço de opinião nos média. Não tenho sobre isto senão intuições muito empiricas, o tal achismo em que uma vez desancou edson atayde, mas parece-me que quando se começa a falar em ética os primeiros discursos trazem sempre o sabor daquele espirito português que luis stau monteiro caracterizou tão bem ao dizer que há em cada um de nós ( donde, não me excluo) "um polícia sinaleiro escondido". ora, como, com este diálogo entre os dois blogues já se passou esta fase, e se chegou a um prudente " julgava que a espécie de ética dos blogues desaconselhava alterações ou remoções do que ficou escrito" (Homem a Dias), e a um responso de Reflexos de Azul Eléctrico, com " O Alberto Gonçalves do Homem a Dias chamou-me atenção para uma regra ética do blogar, a de que não se devem apagar posts já tornados públicos. Não me parece que seja uma regra a seguir estritamente, embora seja razoável. Por mim considero que há uma diversidade de posts, alguns mais emotivos, outros que se dirigem a alguém em especial, outros que exigem um certo trabalho continuado de escrita, outros de pura simpatia. Cada tipo constitui um caso e não me parece que se deva observar uma regra geral. Mas haverá outras opiniões". [ responso cauteloso mas ainda assim delimitando de forma clara o campo de argumentação para o que se vier a seguir. também quero chamar respirar o mesmo ar à questão. 1. ( em geito de esclarecimento prévio:) no outro dia coloquei aqui um post que "linkava" um outro post do "Muro da Vergonha" em que eles abordavam a questão dos impostos de um nosso compadre blogonauta ( chamo-lhe assim porque a blogosfera não existe senão enquanto comunidade ( gerada por um dispositivo tecnológico que a impulsionou, suporta e alimenta)). coloquei o post eram 4h da manhã, na linha daqueles blognoautas que, como o Aviz, escrevem até que a noite doa. de manhã, mais lúcido, reli o meu post. o post do abrupto, o post do muro sem vergonha. não demorei muito tempo a perceber que tinha enfiado os pés pelas mãos. tinha lido muito precipitadamente o post do muro sem vergonha e o do absurdo. para além disso a referência "enojado", mesmo que como uma indicação do estado de mim enquanto receptor, era "ofensiva", "sopeira" e "abjecta" (sem ofensa para os assumidamente ofensivos, sopeiros e abjectos) porque não tem a ver com a forma como ambiciono qualificar a minha presença aqui. nem tem a ver com o "Abrupto". que continua a ter, como objecto de um ruído que extravaza a dimensão da "coisa em si", a minha solidariedade. que se detém aí, mas não é isso que importa. fui eu que, impulsivamente, me meti por caminhos nos quais não quero gastar nem solas, nem chão. quando perguntei às funcionalidades do meu blogger o que poderia ele fazer, das alternativas disponíveis "delete this post" era sem dúvida a mais sedutora. entre mim e o "muro sem vergonha" as coisas correram muito bem. encanta-me que as minhas primeiras amizades blogonautas [ como com o Socio[B]logue ] tenham nascido de diferendos. isto também diz muito sobre a ética. embora o diga de outro modo. sem decálogos. com aquela delicadeza de ser a que quase todos nós aspiramos e que, os mais afortunados de nós, realizam. 2. Na resposta que me mandou, o "Muro" colocou à minha consideração a possibilidade de retirar o seu post de resposta, já que eu tinha também retirado o meu. disse-lhe que não havia razão para isso, já que nos comentários eu tinha precavido os mais incautos de que em respirar o mesmo ar já nada se respirava sobre tal assunto. E aproveitei para lhe dizer algo que verifico, poderia ser um estatuto editorial mínimo deste blogue. que aqui deixo. para que os mais desprevenidos não pensem que aqui se respira um ar que afinal não se respira. 3. Quanto às éticas, não poderia concordar mais com o reflexos, cada um participa com um estatuto editorial próprio. cada tipo constitui um caso. e não será por aí que nos desentenderemos. aliás, a minha suspeição, aqui como lá fora, é que será por aí que nos conseguiremos verdadeirtamente entender. 4. Fica então aqui parte do email que enviei ao Muro, já que, como disse, pressinto aqui um esboço de um estatuto editorial deste blogue: "sobre a ética blogueira, ela diz-me muito pouco enquanto mecanismo de controle e regulação, embora me diga tudo sobre a delicadeza que nos merece o mundo, os outros, nós mesmos. e mais uma vez gostei de a sentir como coisa recíproca, vivida, neste nosso diálogo. o resto, creio que tem a ver com o próprio estatuto "editorial" que cada um confere ao seu próprio blogue. já o disse aqui umas duas vezes, o respirar o mesmo ar é um espaço de expressão própria. não o obrigo a nada que não seja a minha própria "ideia". posso erigir e arrasar o templo em que acaba por se tornar este simples local de palavras sem pedir alvará, certificado de obras, etc. não me obrigo a incluir respostas, a dar nele respostas, ou a seja lá o que for. às vezes experimento coisas, como os comentários. as estatísticas. é o que me dá na gana. a única coisa a que me devoto, e não é obrigação, é a entende-lo como um espaço que me é caro para a compreensão de mim comigo e de mim com os demais. uma espécie de solidão em comum. é um espaço umbilical e mais seria se o seu autor não tivesse contra si um investimento de anos na comunicação. não sei se me expliquei bem. gostaria que sim. eu não estou a fazer regra para nada nem para ninguém. nem para mim mesmo. por exemplo, criei o metablogue com outro espirito. é nitidamente um "orgão de comunicação blogueira". o seu estatuto é diferenciado.rege-se por condições éticas próprias à sua função.o espaço da blogosfera é profundamente "heteronimico" no sentido em te permite diversificares-te em múltiplas estratégias de comunicação. e, aparentemente, à borla. " 5. Obrigado pelo tempo que vos tomei. # posted by jpn : 1:08 PM Corrente de Ar: 0

"aleijados de guerra a quem fala a grandeza de um cervantes"

[de pontaria certeira, como vem sendo já a sua marca, "Muro Sem Vergonha", traz-nos um excerto do célebre discurso de Miguel Unamuno, filósofo e Reitor da Universidade de Salamanca quando os falangistas tomaram a cidade, depois de ouvir o general Milan Astray (fundador com Franco, da legião espanhola), numa cerimónia comemorativa do dia da raça, que congregou as mais importantes figuras do regime franquista. em comunhão com o "muro" deixo aqui uma outra parte importante do mesmo, e que, para mim, tem funcionado como um airbag mental, nestes tempos díficeis em que se multiplicam despudoradamente os gritos necrófitos e assassinos:] { continuar a ler "aleijados de guerra a quem fala a grandeza de um cervantes"

vem, do rumor, a noite...

[2.56.] o quartzo como parceiro. varre-se-me tudo outra vez. [2.58.] em cada palavra que avança, o tempo. a duração. um homem sentado diante de uma luz que o absorve. por inteiro. sem se dar conta.[3.02.] não, não estou a glosar a folha em branco. estou a escrever com o tempo que isto é. em mim. [3.03.] a não colocar palavras onde existe apenas na noite, silêncio. o rumor antiquíssimo do silêncio.[3.07.] ouço agora archie sheep. o som vem interino. não há truques. nem estereofonias. vem da memória. uma longa conversa num quarto do hotel botânico. archie fazia um charro, bebia um wiskie e ainda tinha pulmões para um cigarro. frente á televisão. eu sentado no chão. dominique numa poltrona. não sei se o rui neves estava lá. { continuar a ler vem do rumor, a noite

sexta-feira, agosto 08, 2003

Mas quem diz que...

"Muitas pessoas temem ficar sozinhas. (.../...) Tenho para mim que o medo maior é o de ver surgir do passado os fantasmas dos dias tristes. Mas quem diz que os fantasmas não precisam de ouvir a voz actual de cada um de nós? " [ não podes dizer que eu não te avisei deste prazer inculto de roubar pequenas pedras preciosas para atirar às vidraças do moçame que por aqui passa]

ofício luceferino...

[ Há uma labareda em caixa alta na primeira página do Público de hoje. E a alma incendiária respalda-se da segunda à quarta página. Um poema inédito de Ruy Belo (Outro, Eu disponibiliza este poema em permanência), um texto de Gastão Cruz e outro de Alexandra Lucas Coelho, que andou a navegar pelo espólio do poeta. Richard Zenith, tradutor americano radicado na poesia portuguesa - e a quem eu agradecerei sempre as minhas vinte horas em N.Y. - também por lá andou e descobriu em Ruy Belo traços da obsessão pessoana em salvaguardar todos os vestígios e indicios de poema que a poesia, enquanto actividade recolectora, tem. No final do texto de ALC, uma carta de Herberto Hélder para Ruy Belo:] "A notoriedade pública - coisa que se ganha um pouco por acaso e que por acaso se pode perder, e depois reconquistar ou não - é totalmente marginal ao que pretendemos com escrever poemas. Eu considero-o a si, caro Ruy Belo, como um irmão neste ofício luciferino, magnífico, perigoso e único que é viver na poesia. Trata-se de uma fraternidade de 'sangue', no mais fundo sentido."

Para uma estatí­stica do "eu".

desde 17 de Julho até agora, o meu contador passou as quinhentas entradas. umas quinze pessoas por dia, descontando as minhas próprias entradas. a grande maioria das quais não sei quem são. são poucas. como dizia o CAM ( só um momento, lembrei-me de uma coisa, já venho...já voltei, mais feliz, fui o milésimo blogonauta a entrar no Campo de Afectos, Carlos, reinvindico desde já o meu poema) no outro dia, um só post do o meu pipi tinha mais comentários do que todas as entradas do seu blogue, e ele já ía nas oitocentas. eu penso que são demasiadas. e começo a pensar nos meus números. nos números da minha exposição ao longo da vida. e eles são qualquer coisa que me interpelam, sem dúvida, mas que dificilmente me dizem o que eu pretendia que me dissessem. se calhar não sei perguntar-lhes o exacto da questão. o meu maior instante de mediatização foi quando {continuar a ler "Para uma estatística do "eu"

infidelidade...

olho aquele decote atrevido, o branco do linho que ao corpo desnuda, abrindo sugestões de carne inimagináveis a olho nu, aquilo que à primeira impressão me parece um pretexto magnífico para um flirt admirável sobre os céus de lisboa, um je ne sais pas quoi que me faz labrêgo, pirómano estival, torno visível o meu olhar, o meu charme de centopeia com calos, je suis un autre, sempre tive a ilusão de que o francejar retira boçalidade a um canhestro, aquela princesa merece-me e sem espinhos coroá-la-ía se... ...um repente não fosse apenas um repente. e num instante, a traição; num desvio ao meu suposto eu de homem anilhado, que se sentou aqui na brasileira para actos, sem contrição, de piromania inconsequente, sou levado por uma volúpia de desejo pela mulher que dorme na minha cama, na minha casa, na minha vida, surpreendendo-a com esta bizarra ideia de alguém poder, por um instante que seja, amar o que tem por seu.

O que é que se responde nesta altura?

encontro por acaso no fim de tarde desta canícula, na Brasileira do Chiado. Discutimos, avulso, está muito calor, políticas culturais. O que há e não há. A certa altura conto-lhes a sensação de vazio que senti quando ao organizar a participação portuguesa no salão do Livro Teatral, em Madrid, o presidente da Associação de Autores de Teatro de Espanha me sugere que, para fazer o reencaminhamento dos livros, em vez de pedir a cada editora, encarregasse disso uma Livraria de Teatro portuguesa, do género das que existem em Espanha, como a Avispa, de Madrid. fiquei quase meia hora a olhar para o email. o que é que lhe respondo? era como se, ao dizê-lo, estivesse a tornar-me responsável pelo facto que estava a comunicar. é claro que não precisava de ser como a Avispa, todos nós sabemos a qualidade desta. mas alguma. um nome no vazio. perguntei a todos eles, não fosse estar a ser ludribriado pelo meu desconhecimento. olharam todos para mim silenciosos. não há. não há nenhuma livraria de teatro em Portugal. o André ri-se do meu ar indignado. há tantas terras neste país onde nem sequer há uma livraria.

quinta-feira, agosto 07, 2003

O Esquecimento

Os meus amigos que nasceram depois do vinte e cinco de abril chegam a pensar que a tortura de sono é não ter pedalada para não ficar na discoteca até ás cinco da manhã por falta de pastilhas e que uma falha na corrente eléctrica a meio da noite é o que melhor pode definir o conceito de Sombra [ as estantes são para isto mesmo. estava à procura de um livro e encontrei este. "A Poesia está na Rua", uma iniciativa do INATEL com a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, para comemorar o 25º aniversário do 25 de Abril. De José Carlos Barros, poeta que o DN Jovem acolheu, como a muitos outros, entre os quais os autores de Blog de Esquerda e do Dicionário do Diabo. Antes mesmo da invenção da Blogosfera, o DN Jovem foi o nosso espaço de experimentação da alma exposta. Da nossa jovem alma exposta.]

este que se me revelou segredo...

[rima fácil com degredo. ] estava eu a aventurar-me para pensar sobre um segredo que partilha comigo os meus dias e lembrei-me destoutro. o ano passado, tinhamos ido a Valência, mais concretamente a Valdigna, a um encontro que, com alguma regularidade, sob o tema da escrita teatral, tem vindo a juntar autores mediterrânicos. na grupo de portugueses estava uma escritora que tem episódicas incursões no teatro. já a tinha tentado entrevistar há uns anos. atirara-me sempre para o encenador, nunca insisti, a reserva fica bem em qualquer alma e nesta, parecia ainda mais apropriada. fiquei a seu lado no avião. ela, como eu e o outro dramaturgo que nos acompanhava, não tendo especial fobia de aviões, não morremos de amores por este sonho de ícaro. especialmente depois desta neurose colectiva que se apoderou de nós a 11 de setembro. talvez por isso, ela falava, falava. a certa altura, deixou cair uma referência à sua terra natal. que por acaso era vizinha da minha. quando vou a puxar o novelo do seu discurso, até porque senti que ela podia ter sido aluna do meu pai, nada. voltei a puxar, mas nada. respondeu-me com aquela delicadeza com que faz parte de nós. que tinha sido uma distracção, não queria voltar ao assunto. tive de mudar o rumo à conversa. que fluiu como os rios, fluiem. todos nós temos portas de acesso reservado. não há nenhum problema nisso. a única coisa que me intrigava, era a razão de ser desta exacta porta. só o compreendi uns dias mais tarde, quando regressávamos os três de valência. tinhamos ido deixar as malas na estação de combóios, para podermos passear um pouco por Valência. num ápice, sem se dar conta, ela é assaltada. algum dinheiro, os cartões, a identificação, tudo o que precisava para fazer tranquilamente o check-in de regresso. aquelas duas horas e meia de tranquilo desfrutar valenciano, transformaram-se numa angustiante estada nos bancos da polícia. o dinheiro, os cartões, não mereciam lágrimas nenhumas, um telefonema para portugal tratara de encaminhar os procedimentos habituais nestas situações, mas queriamos ter a certeza de que não haveria problemas no embarque, por mais que a escritora em causa seja uma figura pública, num balcão da spanair todos nós apenas poderíamos ter como adquirido que fazíamos parte do número dos vivos. quando avançamos para a secretária do oficial de dia, houve que preencher a identificação. aquelas coisas banais. nome de pai. nome de mãe. o polícia era um galego que, como todos os galegos, sentiu logo ali aquele impulso de demonstar como estava familiarizado com a nossa cultura. foi por isso ele que preencheu a folha. na altura de dizer o nome dos pais, ela antecipou-se, tirou-lhe a folha da mão e escreveu donde era e de quem era. mas ele não compreendeu a razão deste seu gesto e repetiu, em voz alta, os nomes da sua criação. nunca me esquecerei da forma como ela baixou ligeiramente a face e olhando para mim, admitiu: "- Já sabes um segredo meu!" [ há uns meses o correio trouxe-me um livro de poemas, dela. poemário sobre um amor exacto, assim revelado, na sua impúdica publicidade. um deles, na sua beleza tão arcaica, é de um erotismo tão contido, mas simultaneamente tão perto de carne, que eu cheguei a baixar a cara, para o chão, com pudor, como se os dois amantes estivessem a dois passos de mim, a um canto da sala onde o poema se decifra."-Já sabes um segredo meu!". Disse ela, quando o polícia galego repetiu aqueles nomes que a terra saloia replica com frequência. Mas são o seu segredo. E talvez esta especulação seja absurda, mas ao lembrar-me deste segredo eu sinto o fascismo como bestiário enorme, perpetuando-se na vida daqueles que, abusivamente, habitou. Sentença, castigo, maldição, fardo que é ao mesmo tempo, antídoto, purificação do ar que respiramos. É uma intuição, claro, e é de mim que intuio, que a besta só tornará quando se extinguirem os corpos daqueles que, contrafeitos, o habitaram.]

quarta-feira, agosto 06, 2003

outra guerra, outra paz...

O Outro, Eu explica hoje, não o seu "eriçamento", como talvez pretendesse Guerra e Paz mas a sua frontalidade em relação ao modo como está na blogosfera: "Entendo este espaço, a que chamam blogosfera, como um território de partilha. Gosto da permanente troca de ideias e opiniões, do debate - por vezes, vigoroso - sobre aquilo que nos separa (nos pontos de vista) e que (pela discussão) tantas vezes acaba por nos unir em termos humanos. É nesse espírito que aqui estou. Dito isto, acrescentarei que não peço autorização a ninguém para discordar. " [ são dizeres destes que legitimam um pouco o tempo que aqui passamos, principalmente quando temos fios de linha a prenderem-nos ao de lá da blogosfera, um de lá que tem uma ideia caricatural da forma como aqui existimos. É verdade. Esta possibilidade da discórdia não ser um distanciamento, mas uma aproximação, não tem nada de paradoxal. O paradoxo humano não é isso. É o estarmos sempre além ou aquém, o nunca sermos este mas um Outro, Não-Eu.] Mas também diz o Outro, Eu, que discordou perante "uma frase, que me pareceu infeliz, lida no Guerra e Pas." Talvez para CVM isto seja o comum, a conta corrente dos seus dias. Mas eu não posso deixar de achar isto sublime. Como se sentisse o rasto do gesto a iluminar o vazio. Alguém que se levanta, pega numa caneta e escreve. Porque discordou de uma frase. Uma só frase. E tantas frases que o mundo tem. E não é que o Outro, Eu, seja um opinador incontinente, descontrolado. Quem passear pelo seu blogue sente-lhe a emotividade da alma mas também lhe pressente a frase contida, o pensamento conciso. Senti-me minorca. Tantas frases que eu deixo sem resposta. Aliás, só sou mesmo capaz de acordar para o responso quando a reiteração da frase atinge um nível insuportável de ruído. E não é aqui. É na vida. Por isso também fiz minha a frase de Pedro Tamen de que CVM no outro dia se apoderou: " Os meus heróis são os que conseguem resistir ao ódio, mas não á indignação". [Sinto-me anão e isso não me incomoda nada, neste momento. Porque este apequenar-me resulta de uma medida de grandeza que reconheci e que, nem que seja por breves momentos, fiz minha. O reconhecimento é uma forma de nos apoderarmos do mundo. Logo mais CVM voltará ao seu tamanho natural e eu recuperarei também o meu percentil de ave canora sem voz que me doa. Mas fica este instante de luz. De reconhecimento.] Reconhecimento que não se extingue no Outro, Eu. Vou a Guerra e Paz, onde vou sempre sem sapatos nem pedras, embora, confesse, por isso mesmo, onde poucas vezes vou, e apercebo-me que há pessoas assim, que mostram mais facilmente a sua grandeza quando encostadas à parede: "Tens razão LM. A minha sanha para com esta inevitabilidade que são os incêndios e as pessoas, como figuras de papel, a esvoaçarem nas cinzas, faz-me muitas vezes omitir a natureza da natureza humana. De facto, todos vão começar outra vez, mesmo que o lenço fique encharcado por muitas mais luas." [ Como no pavilhão dos espelhos da feira popular, volto a sentir-me pequenino outra vez. O reconhecimento desta omissão não é trabalho discipiendo do eu. Principalmente quando estamos diante um "eu" que chega a admitir, com mal estar, uma pretensa "superioridade". É que não há "eu" nem "outro", em lugar nenhum, pelo menos no nosso mundo, que possa almejar um milimetro sequer de grandeza quando algo lhe oculta no Homem, o humano. Volto a PBM ; "só quando escrevemos sobre o que nos é maldito em nós mesmos, é que somos verdadeiros" .]

terça-feira, agosto 05, 2003

E tudo no Céu era Estúpido como a Igreja Católica...

[Ana Bola conduz o programa. Maria Rueff e Isabel de Castro são as convidadas. A certa altura falam da morte, da religião. Isabel de Castro aceita ser católica. Porque foi educada nessa crença. Mas tem uma religião muito à sua maneira. Uma sopa da pedra espiritual, com os melhores nacos que foi recolhendo aqui e acoli. Maria Rueff concorda, cita Lima Duarte "Sou católico porque minha mãe já o era"] Fui educado em todas as rezas e preceitos da religião. Meu pai fora padre, minha mãe balanceara muitas vezes, num cai não cai influenciado por ter uma bisavó quase canonizada, e pela vida fora continuou catequista. Aprendi a ler com a "Audácia", com as aventuras daquele que se tornou depois um simbolo no apoio aos leprosos. Nessa altura queria ser missionário. Só não queria ser padre. Queria poder casar sem ser com aquela pomba estúpida. {Continuar a ler "E tudo no Céu era Estúpido como a Igreja Católica"

segunda-feira, agosto 04, 2003

Chegaste à idade da morte

[aos poetas tudo será perdoado, disseste. e, para exemplificar, atiraste-me para cima da mesa este poema, de Carlos Alberto Machado, em Poetas sem Qualidades ] "Chegaste à idade da morte dos teus amigos também agora começas a distingui-los cai um e depois outro e tu apressas o passo desta vez vais discutir o terreno palmo a palmo não saberias o que fazer se a solidão se despovoasse."

quando tudo o fogo arde...

vim hoje de cernache de bonjardim. já se pode ir pela estrada de vila do rei. pode-se e não se pode. é impossível respirar aquele ar, ver aquela devastação. andamos mais de vinte quilómetros onde a cinza marca o horizonte. até onde vai o olhar. paradoxo monstruoso, quem de longe e de cima olhar as copas verdes dos pinheiros e o chão ralo, talvez se detenha a pensar, " que matas tão limpas estas, as do reino de Portugal". [trata-se de um crime contra a humanidade. ontem, anteontem, antes de, já se ouviam as vozes roucas dos madeireiros a oferecerem preços de uva mijona pelo madeirame queimado. que vão vender ao mesmo preço, em aglomerados disto e daquilo. há-de alguém ainda ficar a lucrar com a tragédia. muito poucos, é certo. talvez involuntários. não digo que não. mas que lucro haverá deste horror, isso é certo. deveria-se, urgentemente, impedir isso. ouvir o tilintar das moedas nos bolsos dos madeireiros neste momento vai para além do inferno que foi ouvir o crepitar do enorme fogaréu em que se transformou este país.]

"Não me lixem.."

Não me lixem, Aviz dixit. Respirando o mesmo ar. (não vem ao caso, talvez o devesse fazer num email recatado, mas ando há muito para agradecer ao aviz algumas pedras preciosas que por lá vou encontrando. e uma atitude de "ser blog" que torna este ar rarefeito um pouco mais respirável. )

sábado, agosto 02, 2003

ambidestro final

cidadãos de todo o mundo com causas, uni-os contra o mundo todo dos cidadãos com fins.

ambidestro três...

todos nós temos na nossa experiência de vida situações em que a imposição da condição de esquerda ou de direita, enquanto dispositivo prévio ao discurso dos sujeitos, é um mecanismo que impede o reposionamento dos mesmos segundo aquilo que neles é mais verdadeiro e genuíno. [por isso tantas vezes somos levados a fazer coro com imbecis com quem, pressupomos afinidades, quando aquilo que é suposto unir-nos, o pensamento, já se evaporou diante de nós]

ambidestro dois

a primeira vez que vi o meu filho (ainda apenas o projecto o meu filho) ele era um sinal muito pequenino, circular, com um batimento cardíaco com o qual estabeleci desde logo empatia. registo este acontecimento, como mais uma prova de que há um momento na nossa vida onde a classificação de esquerda ou direita não desvenda nada à condição e natureza do individuo que vem aí.

sexta-feira, agosto 01, 2003

ambidestro um

uma pequena interrupção no fio do pensamento para o atar a um outro que li no dicionário do diabo. a prova de que a recusa da distinção esquerda / direita não é de facto uma fuga deliberada ao político, é a de que a recusa da distinção esquerda/direita é um acto essencialmente político. porque, o que se tem tratado não tem implicado uma recusa da referida distinção, antes o reconhecimento da sua natureza operatória. se é operatório, só pode ser introduzida numa mundividência comum a um determinado número de interlocutores envolvidos numa não menos determinada situação de comunicação, através do consenso. ora poder-se-á imaginar acto mais político do que a recusa a uma imposição, ou, neste caso, a uma posição imposta?

Ambidestro

[ sigo os ecos, estilhaços, de uma conversa a várias vozes sobre a esquerda e a direita] a partir de certa altura (tinha começado a escrever um texto mais longo, mas eliminei-o, quando os tils e os acentos se instalaram caoticamente nele) foram as questões da cultura e da sociedade que me trouxeram de novo para um enquadramento político. reconheço que, recorrentemente, algumas dessas questões, como as de uma maior justiça social, me fazem com frequência partilhar um campo largo que é, as mais das vezes com propriedade, reconhecido como o campo da esquerda. mas no entanto continuo a reinvindicar para mim que não é esse lato campo, de girassóis, searas e muito vento, que me inscreve e inscrevendo, me escreve. sou eu que escrevendo, conjunturalmente nele me inscrevo. sou dependente de uma determinada percepção do mundo mas, conscientemente, não assumo que a minha percepção do mundo seja dependente de outra coisa que não a minha própria mundividência. não quer dizer que o não seja. o projecto identitário de cada um não se resume ao "eu sou assim". à expressão consciente que cada um faz de si mesmo. que é antes de mais, uma brecha que abrimos no nosso espaço de comunicação, como que o suspendendo. fruto da interacção com os demais, metamorfoseamo-nos constantemente num outro. nem se trata de dizer que o "eu sou assim" tem mais ou menos valor que o "eu sou o que resulta das interacçãos que promovo". trata-se de reconhecer, pelo menos numa determinada visão do mundo com a qual me comprometo, a possibilidade de cada um se auto-formular. e de não fazer diferir para um espaço fora do sujeito - um espaço condicionado ainda por cima pela atitude de recepção - a formulação daquilo que ele é. [ os regimes totalitários abusam e reabusam deste estratagema: concebem um mundo de maniqueísta. identificam os outros com um determinado enquadramento (fascistas/comunistas/etc). de nada valeria querer o sujeito da etiquetagem rebelar-se. a autoridade de defenir o que ele é não está nele mas numa instância de recepção. voltarei a isto, claro. .]