segunda-feira, janeiro 24, 2005

"Dormir Acordado"

Divas&Contrabaixos provocou a conversa sobre o tema Memórias de Infância. É uma das propostas mais simpáticas que me podem fazer, abrir os olhos sobre o território dos primeiros anos. A luz. Uma das primeiras memórias que tenho é a de tentar chegar ao interruptor da luz. Vejo um corredor escuro. Eu de gatas. Depois aparando-me à parede.Não me lembro de conseguir chegar lá, sim de tentar. assoá o naiz. Os meus primeiros anos vivi-os num Externato, numa vivenda em Mafra, que era dirigido pelo meu pai e onde a minha mãe também ensinava. Nós viviamos na parte de cima e o piso térreo era destinado ao Externato. Tenho poucas memórias desse tempo, excepto do autêntico momento de extâse colectivo quando o Zorro trouxe um carro do Batman todo articulado ou quando eu, que sempre tive dificuldade em pronunciar os erres, pedia à educadora, "posso i lá acima assoá o naiz?" Nemésio. Novamente um corredor, agora na Faculdade de Letras. A minha mãe vinha no Ami 8 entregar trabalhos, falar com professores. Naquele dia não nos deixou no carro, não sei se implorámos mais, sei que tanto eu como o João ficámos ali, a uns dez metros daquele senhor da televisão que com ar austero mas afável falava com a nossa mãe, de repente com o ar de gaiata que costumávamos ver às suas alunas. Bisavó. Já nem sei se o vivi ou se compús a memória a partir de uma fotografia antiga. Mas é a única lembrança que tenho ela. Na casa dos meus avós em Elvas, por alturas do Natal. Muita gente. Naquela altura a Consoada era toque a rebate para reunir toda a família. Vinhamos de longe, nós de Mafra, no Ami 8, o tio Joca e a tia Biatriz no 2 Cavalos. As peripécias que este eterno 2 Cavalos poderia contar. Lá em casa a minha tia Janita, a mais endiabrada, era a grande animadora da noite. Volta e meia quando passo pela única fotografia com a minha bisavó lamento não lhe ter decorado um sorriso, um afago, um simples modo de ser. Não chega a ser gente em mim. É uma imagem, um pouco mais do que uma imagem, um pouco menos do que vida.

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